terça-feira, 29 de dezembro de 2009

VI Feliz Metal, Rio Branco, Acre



Pensei em voltar aos velhos tempos e fazer uma resenha do VI Feliz metal, ocorrido em Rio Branco no último dia 25 de Dezembro. Mas estou tão afastado da cena de heavy metal (embora ainda respire o estilo e o sinta batendo forte em meu coração metálico) que não me senti capaz disso. Então, resta-me fazer como fiz ainda em 2001, quando realizei o primeiro Choose Your Side Festival em Minas Gerais, uma resenha sem a intenção de ser profissional, apenas um relato baseado nas impressões pessoais sobre o evento.

Então, primeiro algumas considerações sobre o Feliz Metal. Primeiro que tenho muito orgulho de ter feito parte da equipe que iniciou o projeto e de direta e indiretamente ter contribuído para sua realização. Jamais esquecerei a amarga dívida que contraí com a vinda do Steel Warrior na segunda edição do evento, mas também jamais me esquecerei da satisfação de pagá-la com o suor de meu trabalho, pois em um mundo onde o capitalismo predomina (inclusive no metal), saber que algo ainda é feito com intenções sem fins lucrativos e pelo puro amor é algo que somente alguns privilegiados podem compreender. Assim, minha contribuição direta para a terceira edição foi apenas a quitação de minha parte da dívida, mas tenho certeza que dali para frente contribui indiretamente com o sucesso do projeto. Também não me esqueço da dose de profissionalismo que sempre tentei injetar nas bandas do Acre, das cobranças por material próprio e pela divulgação além-Acre. E por isso, mesmo não tendo mais ligação direta com o festival, sinto-me orgulhoso por acreditar que de alguma forma influenciei (ao menos um pouco) esta nova perspectiva e sucesso, sem é claro, tentar trazer para mim os méritos dos que continuaram após minha saída, e que estes sim, foram diretamente responsáveis pelo que temos hoje, um grande evento, inter-estadual e profissional. Senão vamos comparar, se pegarmos eventos do mesmo porte em outros estados, quantos deles podem trazer as bandas de tão longe de casa? E mais, de avião? E não só a banda, mas também a necessária equipe de apoio? Quantos destes eventos possuem dois palcos para que quando uma banda termine a outra já esteja pronta para prosseguir com o espetáculo?

É claro que há problemas e dificuldades. Aliás, estas últimas imensamente maiores que em outros estados. E digo isso não na perspectiva de alguém que imagina as outras cenas, mas da perspectiva de alguém que realmente conhece as outras cenas de perto, que atuou durante quase uma década no underground nacional e que, modéstia jogada para as cucuias, sabe do que está falando. E o que sei é que acabei vindo para o Acre porque sabia que havia uma lacuna a ser preenchida e queria participar da construção deste cenário, que já existia, mas que precisava de se mostrar para se desenvolver mais. Acabei não participando tanto quanto gostaria, minha vida tomou rumos totalmente distintos dos que imaginava quando cheguei ao Acre com R$1,50 no bolso. Mas fico feliz em ver que eu estava certo quando depositei no Acre as minhas fichas.


Esta edição teve presença de bandas acreanas, Rondonienses e de São Paulo. Vou citá-las não exatamente por ordem de apresentação, mas por conveniência de memória. Entre as acreanas, achei muito legal perceber novos nomes no cast, pois não se pode manter de pé uma cena que tenha apenas um ou dois nomes atuantes, é preciso constante renovação. A primeira a se apresentar foi a Suicide Spree, que em alguns momentos me lembrou algo na linha do In Flames e em outros, os veteranos do Obituary que para mim é umas das maiores referências do death metal. Achei a banda muito bem entrosada e com um imenso potencial, mas creio que a identidade ainda esteja se moldando. Realmente uma boa promessa do estado. A Seventy Hill por sua vez foi surpreendente, pois a banda não é de Rio Branco, mas de Cruzeiro do Sul, segunda mais importante cidade do estado, mas com uma ainda desconhecida tradição metálica, mesmo em Rio Branco. Boa banda, boa surpresa. Por outro lado, a Silver Cry já é bem conhecida na região, mas apresentou-se com uma formação bem diferente da que eu conhecia, tendo trazido o primeiro vocalista João Neto (Fire Angel) de volta ao posto e tendo apenas Ricardinho como remanescente da formação que acompanhei por mais tempo. Ainda em terreno acreano a Raw Ride queria e conseguiu atenção. Formada por músicos provenientes de outras bandas, como membros de antigas formações da Silver Cry e Dream Healer, fez uma apresentação legal, mas chamou a atenção para si no final da apresentação, quando colocou no palco duas garotas fazendo strip e dançando no melhor (pior) estilo axé. Na verdade, foram um pouco além do tradicional bunda-music, deixando para trás toda a roupa que vestiam... Se foi uma forma de protesto não sei, se vai criar problemas para a organização também não sei, se foi apenas curtição, idem. Se foi apenas para chamar atenção, chamou (embora não por méritos musicais). De qualquer forma, criou comoção, cada um decida o que achou. E, por fim, a Survive, banda que representou o Acre em São Paulo, na seleção do Wacken promovida pela Roadie Crew, mais uma vez mostrou que é uma das mais promissoras bandas do estado. Fazendo um Death Metal agressivo, técnico e profissional, empolgou muito.

Já as bandas de Rondônia foram Sortilégio e Bedroyt. Ambas já conhecidas na região. A primeira com um estilo calcado no death-black metal com um detalhe interessante, cantado em português. A segunda, mais na linha hard-heavy, com uma apresentação bem caricata de um guitar-hero, mas muito legal. Senti falta do vocalista Elias, que na última vez que vi a banda em Porto Velho, durante o Madeira Festival, acabou com tudo com uma apresentação à lá Ralf Scheepers. Por fim, o Fates Prophecy, de São Paulo. Já havia visto um show da banda ainda com André Boragina nos vocais e outro com Sérgio Faga, ambos muito bons shows. Infelizmente este terceiro, com o novo vocalista eu não gostei. Inicialmente por o som na apresentação do Fates Prophecy estar horrível. Não se ouvia a voz do vocalista de modo algum na primeira música. Depois melhorou, mas ainda assim a apresentação não seguiu como deveria. E assim, mesmo com uma melhora do som, continuei não gostando. Nem mesmo o clássico Pay for Your Sins e minha música preferida da banda Wings of Fire ajudaram. Entretanto, deixo o som ruim assumir a culpa pela maior parte desta má impressão, pois sei que a banda é mais do que isso. O Korzus por sua vez é outro caso, pois seu som estava infinitamente superior. Para mim, que viu a banda pela primeira vez em 1998 no saudoso Mosters Of Rock (com Megadeth, Slayer, Manowar, Dream Deather, Saxon, Dorsal e Gleen Huges) foi nostálgico. Não à toa, sempre sugeri a banda para os realizadores, são mais de 25 anos de metal... O show foi ótimo dentro de suas devidas proporções, muitos clássicos novos e alguns antigos. Só faltou mesmo um maior público e conseuqnetemente uma reação mais calorosa dos fãs, pois a banda merecia. Foram poucos os que ficaram até o final, mas quem ficou teve o gosto de ver no Acre uma das melhores e mais tradicionais bandas de heavy metal do Brasil. Há dez anos eu jamais imaginaria que isto ocorreria...


Portanto, o saldo foi muito positivo, mais um passo foi dado pela Dream.Cry, e mais uma vez um passo para a frente o que é mais importante. Méritos de quem continua na batalha como o Ricardinho e satisfação de quem atualmente só aprecia e eventualmente comenta algo realizado por outrem, como eu. Que no próximo Feliz metal mais um passo seja dado. E que venha o Blaze, se não no Feliz metal, em outro evento.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Blog do Altino




A segunda postagem de Altino Machado no seu blog data de 26 de Outubro de 2004 e é a respeito de Liberdade de Imprensa. Três dias depois, denunciou um caso de tortura onde um pedreiro teria sido preso e torturado nas dependências de uma delegacia em Rio Branco. No próximo dia, colocou um post extraído do site Caverna da Lua de Saturno referindo-se à censura:

“A última proeza do Astronauta de Mármore foi reservar espaços para quem queira falar bem ou mal do governador Jorge Viana. Pincei de lá, o bom debate que se estabeleceu entre os jornalistas Antonio Alves e Angélica Paiva sobre liberdade de imprensa no Acre”. (Altino Machado)

Dali por diante, muitos tópicos de igual teor político-cultural foram ao ar. O blog é considerado por várias pessoas como o mais influente e importante do Acre como cita a escritora global Glória Perez quando diz que "Altino Machado escreve o blog mais famoso do Acre" ou como afirma um dos mais conhecidos blogueiros do Brasil, Ricardo Noblat, “Altino Machado é o melhor blogueiro do Acre". Outros nomes reconhecidos nacionalmente deixaram seus comentários, e Altino os reproduz em sua página como atestado de reconhecimento por seu trabalho.

"O weblog do Altino Machado é o veículo de comunicação mais temido e bem informado do estado. Quando o governador quer que alguma notícia repercuta além da imprensa oficial, é para Altino que ele liga, apesar de eventualmente levar uma cutucada de seu blog". (André Vieira - Rolling Stone)

Isso sem citar as dezenas de leitores que respondem aos tópicos do blog, muitas vezes incitando um debate fervoroso. Ajuda neste tipo de direcionamento o fato de em seu blog Altino fazer questão de moderar os comentários, que são acompanhados por ele um a um. Assim o jornalista filtra os comentários que considera desnecessários. Infelizmente, há também aqui os prós e os contras, pois se por um lado nivela os comentários pelos padrões do autor do blog, por outro pode criar acusações de censura devido aos comentários não publicados.

Para não cansar o leitor com o seu tema principal, voltado à política, Altino usa a estratégia de interpor a estes, assuntos de interesse popular (como o do barco-hospital João Sobrera, que foi tragado pelas águas), corriqueiros (as Karas do Boto) e outros que sejam de interesse popular mas que tenham um certo teor crítico (Holarias) , mas muitas vezes estes assuntos se interligam. A estratégia parece funcionar. Acessando o Blog em três datas distintas, cinco vezes por dia, não houve uma única ocasião em que estavam on-line no blog menos que 15 leitores. Através de suas estatísticas, disponibilizadas no próprio blog, constata-se que desde setembro de 2008, quando iniciou a contagem, até 14 de dezembro de 2009, data de meu último acesso ao blog, foram 437.814 visitantes únicos, sendo que por ida, a média de visitantes ao blog é de 893, enquanto na última hora 80 pessoas haviam acessado o blog e na data, 945 visitantes únicos tinham acessado o blog até as 18:45. Pode não parecer à primeira vista, mas é muita coisa. O site do Senador Tião Vianna, por exemplo, não possuía mais que seis visitantes on-line em nenhuma das cinco vezes em foi acessado na mesma data.

O blog possui diversos links para continuar a navegação pela web, entre eles afetos e desafetos do jornalista, mas que em seu conjunto constituem uma valiosa fonte de consulta sobre os assuntos diversos que são também encontrados no blog do Altino, política, história, cultura, arte, notícias, jornalismo e generalidades, por isso, após uma extensa visitação nas páginas internas e em todo o arquivo do blog, não se deve deixar de seguir o percurso através destes links, que levam a caminhos tão distintos quanto os encontrados por Altino em seu blog.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Los Porongas: arte, hibridismo e mercados

Segundo o português Paulo Barroso, “A obra de arte não se produz isoladamente e para compreendê-la é preciso estudá-la objetivamente no contexto histórico em que se realizou. Porque quer a obra quer o artista são produtos sociais.” Isso significa que tanto os artistas quanto seu público, o Estado, críticos e patrocinadores (modernos mecenas?), o que podemos constituir como o mercado ,se influenciam. Conseqüentemente, segundo ele, o gosto ou os cânones dominantes de uma determinada sociedade e época tendem a condicionar novas formas de expressão. O Los Porongas, como arte, não são exceção à regra, e influenciam tanto quanto são influenciados pelo mercado.

Assim como ocorre nas galerias de Arte com seus curadores e agentes de artistas que intermediam e influenciam a forma pela qual o público vê as obras expostas, no meio musical independente (embora o quadro se acentue nas “majors”, as grandes gravadoras) também existem intermediários entre o público e o artista capazes de alterar e influenciar a arte que representam. Uma das ações mais evidentes do Los Porongas como parte deste mercado musical ao qual está inserido se dá com sua saída do selo que lançou seu primeiro CD. A banda, segundo declaração on-line da gravadora independente haveria traído “princípios que norteiam o circuito independente por ter aceitado trabalhar com uma grande produtora”. Segundo Barroso “Com freqüência, líderes de opinião condicionam a receptividade pública de obras por veicularem juízos estéticos e críticos. A moda ou seguidismo do público são proporcionados pela emissão, por parte dos críticos, de juízos estéticos sobre as obras”. Para Diogo Soares, não há contradição em trabalhar com uma produtora que venda seus shows e articule a carreira da banda em parceria com o Los Porongas. Segundo ele “Músicos também precisam pagar as contas. Não há desonestidade em viver da música que se aprendeu a fazer”. O fato é que temos neste contexto a ruptura de um paradigma, onde se pode fazer um paralelo com a obra de Edouard Manet (1832-1883), pintor que é considerado precursor da pintura moderna, mas que em vivo foi execrado pelos críticos. Independentemente da qualidade artística, a maior parte das obras de Manet rejeitadas no século XIX encontram-se hoje nos museus mais importantes espalhados pelo mundo (cf. FURIÓ, 2000: 31). Neste paralelo, não se evoca a rejeição inicial para posterior endeusamento, como ocorreu com Manet, pois em suas devidas proporções o Los Porongas têm sido bem aceito em seu próprio meio. Mas evidencia-se, entretanto, a mudança do grau de apreciação da obra do Los Porongas devido justaposição de idéias e valores dentro do mercado ao qual estão inseridos. “As obras são as mesmas. O que mudou foi a apreciação da sua qualidade, os juízos de valor dependentes das idéias, interesses e gostos historicamente variáveis das pessoas que os formulam e que são condicionados pela sociedade e pela cultura de uma determinada época (Barroso, Pág-85).”

Esta localização geográfica e cultural é outro fator que influencia de várias formas o artista, sua obra e o mercado artístico. O próprio Los Porongas, é inevitavelmente lembrado por ser uma banda acreana, embora seja evidente que há diversas outras características mais universais na banda, o que às vezes faz com que estes aspectos não regionais sejam lembrados pelos póprios músicos:

“eu não conseguia identificar na nossa música muitas coisas que identificassem como uma música feita no Acre. Alguma coisa aqui e acolá, nas letras principalmente. Algumas falam sobre temáticas, por exemplo, ‘Ao Cruzeiro’ que é uma música que fala sobre o Santo Daime, então claro, tem uma relação com o Acre (Diogo Soares).”

“Acho que o que faz as pessoas acharem que tem uma coisa de Acre, uma coisa regional, tem haver com a letra das músicas. Algumas expressões, algumas palavras. Tipo, em ‘Enquanto uns dormem’, quando ele fala que faz escultura a luz do lampião, ou então em ‘Ao Cruzeiro’, quando o Diogo canta "a proa quando apruma avoa", são expressões que quando você fala lá em São Paulo, ninguém vai nem entender o que é. E aí acho que no inconsciente puxa essa coisa do Acre, uma coisa regional (Jorge Anzol)”.

Segundo Barroso “O homem, como ser cultural, é o resultado de uma construção sócio-cultural. Por isso, é um “artefato” cultural, na medida em que a cultura lhe serviu como padrão de conduta para agir, pensar, sentir, comunicar, relacionar-se com os outros, etc. Neste sentido, a dimensão simbólica das práticas artísticas e dos rituais sociais são o resultado da dita construção sócio-cultural.” Nisto, podemos inserir o Los Porongas como produto de seu meio, entretanto, sujeito às influências exteriores, que agora, com a banda em São Paulo, este padrão se altera, e as influências exteriores acentuam-se.

“Nós somos outras pessoas agora. Essa ida para São Paulo fez com que a gente mudasse interiormente. E quando você muda, sua música muda naturalmente. O lance do espaço onde você vive, a vida do artista é essa, do poeta, do músico, do escritor, é traduzir a realidade dele. Então assim, a gente está em outra realidade, viver em São Paulo está influenciando a nossa forma de compor. (Diogo Soares).”

“Musicalmente falando, é uma leitura que a gente faz se utilizando de linguagens universais, se utilizando da linguagem do roque, que é a mesma linguagem que o cara do Rio, de São Paulo de Nova Iorque, Londres está se utilizando também. A gente foi tocar em Uberlândia, aí teve um cara, um músico que chegou pra mim e falou assim "cara eu percebi uma coisa de tambores, um negócio indígena, muito forte". E eu falei "cara sinto te decepcionar, mas esses tambores que você ouviu aí, tem muito mais haver com Legião Urbana ou com a levada de soldados que é feita nos tambores do que com qualquer ritual indígena". Eu me sinto mais influenciado pelo roque, pelo Legião Urbana, pelo roque de Brasília, pelas bandas inglesas, do que um ritual indígena (Jorge Anzol)”

Para o tipo de arte que o Los Porongas cria hoje, a tecnologia parece estar causando um impacto maior que os tradicionais intermediários, que há duas décadas detinham o poder de construir e destruir carreiras com uma simples assinatura, resenha em revista especializada ou indicação, sendo capazes de mudar o gosto e o comportamento de grande parcela do público. Neste novo mercado, os downloads legais ou ilegais estão tirando o poder das mãos dos intermediários, mudando a forma como esta arte é consumida e revolucionando o cenário musical, seja underground ou mainstream. Para Diogo Soares “o trabalho artístico está sendo divulgado e, o artista quando faz uma música é para que ela seja ouvida, apreciada, como deve ser toda verdadeira obra de arte. Nesse sentido a comunidade estabelece um elo direto entre o artista e o público ouvinte, corroborando a revolução de mercado que não exige mais que um artista necessite de um "atravessador" para levar suas músicas ao grande público”. De acordo com Read, “ninguém negará as profundas inter-relações entre o artista e a comunidade. O artista depende da comunidade – vai buscar o seu tom, o seu ritmo, a sua intensidade à sociedade de que é membro” (READ, 1968: 175). E as inovações tecnológicas, á medida em que aproximam cada vez mais os artistas de seu público, remodelam as regras do mercado, influindo diretamente na pirâmide mercadológica, colocando no topo a obra, o artista e o público, vindo só no meio e na base os críticos, os espaços de apresentação, os patrocinadores e todos os outros que influenciam direta e indiretamente este mercado. Com esta mudança do status quo, o artista muda sua forma de ver e de fazer arte e o público também. No processo de construção da realidade social, acordada, pública e partilhada, influi também a construção do Eu, fruto de percepções de dados do exterior para o interior (da cultura para a mente) e expressão de estados do interior para o exterior (da mente para a cultura) (BRUNER, 2000: 108).

O fato de acreditarmos desde o começo na música como expressão do que sentimos e não como mera cópia do que ouvimos ou nos obrigam a ver e ouvir. Isso nos forçou, intuitivamente, a criar uma linguagem diferente, matizada numa música que traz o Acre implícito em letras, levadas e melodias mas que se enquadra perfeitamente em outras paisagens. Essa construção estética tem criado um bom público porque orgulha os acreanos e desperta o interesse de quem é de fora, por conta, também, das multireferências que estão encravadas na nossa música. (Diogo Soares)

Referências:

BARROSO, Paulo. Arte e sociedade: comunicação como processo. Atas dos ateliers do Vº Congresso Português de Sociologia

HighPop <http://www.highpop.com.br/2009/01/entrevista-diego-soares-los-porongas.html > Acesso: 06/12/2009

Drop Music <http://www.dropmusic.com.br/index.php/entrevistas/2085-los-porongas-julho2009 > Acesso: 06/12/2009

ZÍLIO, Andréa, Los Porongas: iluminando a selva de concreto, Página 20, Acre, 2007 <http://www2.uol.com.br/pagina20/29042007/entrevista.htm> Acesso: 06/12/2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Revelando o sagrado de Christian Boltanski


No mundo ocidental, a Idade Média é conhecida também como a Idade das Trevas, segundo Christian Amalvi (2002, p. 539) o período foi “uma interminável noite que os raios de sol do século XVI enfim dissiparam”, afinal foi durante este período que ocorreram fatos como a peste negra que assolou a Europa, as guerras, as Cruzadas, a Santa Inquisição e sua caça histérica às bruxas, etc. Fatos estes, que mancharam a história da humanidade. Entretanto, esta é uma visão simplificada desta época, foi na idade média que se desenvolveu as primeiras universidades, e nela se desenvolveu também as bases para o próprio Renascimento, que a seguiria, assim como a Reforma, etc.

Tradicionalmente, a idade média é delimitada entre os períodos que compreendem a Alta Idade Média, no séc. V com a desintegração do Império Romano do Ocidente e a Baixa Idade Média, no séc. XV, com a queda de Constantinopla. Além das sub-divisões em Antiga, Plena e Tardia. “A terminologia Medium Tempus (Idade Média) foi cunhada no século XIV por Petrarca e outros humanistas italianos e, posteriormente, a partir do século XVI, desenvolveu-se mais amplamente entre intelectuais alemães e franceses para designar um período que constituiria uma idade intermediária entre a Antigüidade e o futuro que estava à porta, a renascença. Claramente, apesar de já muito difundido e constantemente utilizado, o termo Idade Média carrega em si uma dose de preconceito e desconhecimento perante um magnífico período da história da humanidade (Nunes).”

A arte e da mesma forma o artista medieval foram marcados pela religiosidade da época e pela influência da igreja. Normalmente as pinturas eram voltadas a passagens bíblicas e a ensinamentos de cunho religioso. Eram formas de usar a arte para implantar as idéias religiosas. Na arquitetura a influência da igreja também se fez presente, onde destacou-se a construção das grandes catedrais, igrejas e mosteiros. “Com a conversão de boa parte da Europa ao cristianismo, a partir do século 4, a honorável arte clássica, tida como pagã, foi abandonada com a vitória da nova crença pregada pelos Apóstolos de Jesus (Schilling)”.

Além da Pintura e da Arquitetura, os artistas da Idade Média também se dedicaram com grandes resultados à tapeçaria, esta, se desenvolvendo mais por necessidade que por influência da igreja, já que os castelos, feitos de pedra, necessitavam de grandes tapeçarias que tornassem seu ambiente interno mais aconchegante, quente e confortável. A “mais famosa tapeçaria medieval é o ciclo d' A senhora e o unicórnio. As duas principais manifestações arquitetônicas, principalmente relacionadas à construção de catedrais, foram o estilo românico e mais tarde o gótico. Destaca-se também a formação das corporações de ofícios, reunindo artesãos.(Wikipédia)”. Além disso, estava sendo formado “uma classe de tecelões de altíssima qualidade e também o aparecimento dos alfaiates.” (Lipovetsky,1991).

Como consequência do desenvolvimento artístico da arquitetura, os vitrais também adquiriram um enorme valor artístico e religiosona Idade Média. Mais que simples ornamentação de igrejas e catedrais, eram também objeto de imponência e religiosidade, já que retratavam passagens bíblicas. Os vitrais representavam também um problema para o artista, pois sendo muito pesados, apresentavam com o tempo diversas dificuldades de manutenção. Também depdendente da arquitetura era a pintura parietal, ou seja, executada nas paredes.

Christian Boltanski nasceu em Paris, em 1944, e é considerado um dos maiores artistas de sua geração. Após o seu primeiro livro intitulado Recherche et présentation de tout ce qui reste de mon enfance publicado em 1969, declarou que toda a sua obra se encontrava ali.
Em 1958 começa a pintar, em 1967 abandona sua prática pictórica na pintura e em 1968 as revistas de arte, começa a fazer fotografia em preto e branco, aborda o trágico, o humano.
Em 1969, reúne documentos sobre seu suposto falecimento, batiza a obra de Reconstitution d'un accident qui ne m'est pas encore arrivé et où j'ai trouvé la mort.

A partir da década de 70 começa a dedicar-se aos anônimos, como Album de photos de la famille D e um homem de Oxford (ambos de 1973) e a série Imagens Modelo.
Em 1984, redigiu uma espécie de biografia oficial, para implementar a retrospectiva que lhe dedicou o catálogo do Centro Pompidou. Na década de 80 e 90, Boltanski começa a se dedicar à construção de monumentos à memória das vítimas da guerra e do holocausto.
No início dos anos 2000, cria um conjunto, chamado Coming and Going, que é exposto em Nova Iorque. A obra retoma e expande a idéia criada em 1984, com a série dos Monumentos, uma fotografia, com um novo enquadramento entre lâmpadas acesas.

Em 2001 Christian Boltanski declara a Lynn Gumpert: “Eu sou um pintor extremamente tradicional. Eu trabalho para proporcionar emoções aos espectadores, como todos os artistas. Eu trabalho para fazer rir ou chorar o mundo”.
Boltanski explora o tema da perda de memória, colocando o tema entre uma tênue linha divisora entre o anônimo e o identificável, profano e sagrado, sentimental e trágico, misturando diversos ritos e tradições.

A própria forma em que Christian Boltanski instala suas obras, remete de imediato à Idade Média, já que nos remete à catacumbas e até nos fazem ressentir fisicamente o horror, a relatividade e a subjetividade da historificação. « Ficamos esmagados sob o peso da nossa sociedade, da sua vontade de julgar. E Christian Boltanski está permanentemente a reenviar-nos para a nossa própria realidade pelo intermédio de um espelho (Schraenen) ». Outra grande ligação entre a arte de Boltanski com a idade média é o realismo, pois foi a partir da idade média que este estilo se desenvolveu. «Podemos dizer que há aqui um novo e sutil tipo de realismo. E se for possível uma recolocação desse conceito, deveremos no entanto pensar num realismo que se liberta da questão da mimesis perfeita (Entler).” Este entretanto, é um realismo que pretende não retratar a realidade como ela é, mas uma realidade artística, marcada pelas possibilidades de manipulação e reconstrução da realidade, numa ligação direta com o imaginário de seu autor. “Os novos realistas se conscientizaram de sua singularidade coletiva. Novo Realismo = novas abordagens perceptivas do real. Assinado: Arman, Dufrêne, Hains, Klein, Raysse, Restany, Spoerri, Tinguely e Villeglé". Além disso, a Escolástica é também uma grande inspiração na forma de Boltanski trabalhar e esta atuou em toda a Idade Média com sua religiosidade e fé da mesma forma introspectiva em que são cosntruídos os oratórios de Boltanski.


Referências :


Idade Média :

http://dejavu.lastdesign.com.br/ Acesso : 01/11/2009
http://www.suapesquisa.com/idademedia/ Acesso : 01/11/2009
http://www.historiadomundo.com.br/ Acesso : 01/11/2009
http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br/fr/2009/03/31/entretempos-uma-decada-de-arte-francesa-nas-colecoes-de-video-do-museu-de-arte-moderna-de-paris/ Acesso : 01/11/2009
http://www.assevim.edu.br/agathos/3edicao/silvia.pdf Acesso : 01/11/2009
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2005/07/14/001.htm Acesso : 01/11/2009
http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_Média#Arte Acesso : 01/11/2009
Christian Boltanski
http://www.studium.iar.unicamp.br/22/03.html?ppal=2.html Acesso : 01/11/2009
http://cboltanski.blogspot.com/ Acesso : 01/11/2009
http://www.centopeia.net/download/natureza_segunda_da_morte.pdf Acesso : 01/11/2009
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1089-1.pdf Acesso : 01/11/2009

sábado, 12 de dezembro de 2009

Versalhes, Parsifal, Brillo Boxes e Los Porongas: semelhanças e diferenças

No capítulo II, do livro Teoria da Arte de Cynthia Freeland, com tradução para o português de Beatriz Magalhães Castro, encontra-se uma análise de três grandes questões. Os jardins de Versalhes, a obra Parsifal, do compositor erudito Wagner e a obra Brilhol do artista POP Andy Warhol. À primeira vista, os três pouco possuem em comum, tanto entre si, quanto com a banda acreana Los Porongas, mas é preciso entender um pouco das semelhanças e diferenças entre cada uma destas manifestações artísticas.
Para Kant “a arte não pode dizer-se bela a não ser quando estamos conscientes de que se trata de arte ao mesmo tempo que ela nos aparece, todavia, enquanto natureza”, qual exemplo melhor desta ligação que os jardins de Versalhes? Para a execução dos projetos destes jardins, é necessário ordem, controle racional das formas, entretanto, uma parte deles permanece imprevisível, a parte natural. Assim, os jardins tornam-se um privilégio artístico, capaz de combinar a beleza natural e a beleza artística.

“(...) nunca nenhuma delas poderá estar ausente. Um jardim sem componente natural será uma escultura, e sem a componente humana será natureza virgem (CEAP)”.

Os jardins de Versalhes buscam sua inspiração na arte clássica de um passado distante. O Los Porongas, busca suas raízes musicais em um passado menos distante, no entanto, não menos clássico em seu próprio contexto. Segundo o Freeland “As alusões ao classicismo em exibição por toda a parte em Versalhes exigiriam um público educado para apreciá-las (pág13)”. Do mesmo modo, para se compreender o quadro Guernica, de Picasso em sua totalidade é necessário se conhecer o contexto no qual a obra foi realizada e o que vem a ser o cubismo. Assim, a compreensão da arte do Los Porongas exige determinado grau de educação sobre o cenário musical independente, sobre música e sobre a cultura acreana, é preciso conhecer o que se chama de cenário independente, onde reside a banda Los Porongas, um cenário musical onde o principal é não o sucesso comercial, mas o próprio ato de se fazer arte de forma autoral, sem a preocupação de se copiar e tocar os hits do momento e sem a necessidade de grandes produtoras ou gravadoras ditando as regras de como se fazer música, na maioria das vezes estirpando a arte do artista em detrimento do retorno financeiro.
Como a banda explora falas e fatos típicos da cultura acreana, com um pouco de conhecimento da cultura onde a banda nasceu pode-se degustar as letras e as músicas com mais aprofundamento, caso contrário, pode ser considerado exótico, mas não arte, pois para o senso comum a arte deve seguir padrões que agradem a maioria e não atuar regionalmente. Para este pensamento, uma banda autoral, desvinculada do sucesso comercial de grandes gravadoras e que explora uma cultura inexplorada nos grandes centros urbanos, é apenas exótica. Mas o Los Porongas faz mais que isso, e por isso ela se torna imprevisível. Em termos kantianos aplica em sua música uma reconciliação entre a natureza e o espírito.

“o seu funcionamento intrínseco terá sempre uma parte que nos é alheia e que faz com que o futuro da obra seja incerto em alguma medida; esta incerteza potencia o chamado caos determinístico que consiste na diferença entre o plano e a realidade planeada (Magalhães, 2001).”

Wagner “atuou eloquentemente a parte do gênio Romântico com a sua vida de amor tumultuosa, admiradores fanáticos, fugas de escândalos e dívidas, e fama internacional (Freeland)”, se assemelha ao cenário artístico ao qual o Los Porongas está inserido, comumente associado aos excessos, fãs fiéis e a busca pela fama. É claro que nem todo este caminho será percorrido pelo Los Porongas, mas ele está a sua volta assim como esteve à volta de Wagner. Mas não é apenas este cenário aproxima Wagner do Los Porongas. Wagner apresentava um tipo de arte no qual ele não só controlava características musicais mas também o libreto, encenação, figurino, e cenários, atitude parecida com a que encontramos no trabalho de bandas independentes como o Los Porongas. São responsáveis não apenas pela sua música, mas pelas suas apresentações, letras, cenários e atitudes, tudo o que compõe sua própria “Gesamtkunstwerk”.
Nietzsche rejeitou a mensagem de Parsifal por ser, para ele demasiadamente ‘Cristã’, fugindo daquilo que ele celebrava em Wagner, o culto às raízes alemãs. O Los Porongas corre o mesmo risco de Wagner, pois ao abordarem tão intensamente suas raízes, sua arte pode ficar vinculada à este padrão, e se inadvertidamente, mudar seu enfoque, os Nietzsches modernos se apressarão a chamá-los de vendidos. Entretanto, assim como com relação à Wagner, é preciso compreender que para muitas pessoas, preocupações estéticas e morais conflitam criando um dilema na avaliação.

“Para Nietszche cada artista expressa a sua verdade na sua obra. Mas mais importante ainda, Nietzsche inicia o processo da individualização contemporânea. Na Antiguidade a arte era objetiva, na Modernidade era subjetiva e na Contemporaneidade individualista (CEAP).

Desta forma, podemos concluir que este processo iniciado por Nietzche culminou com o ultra-individualismo, que anos depois atribuiria à originalidade o lugar mais importante do juízo estético, o que abriu caminho para as vanguardas do início do século XX e artistas como Andy Warhol, numa estrutura fragmentada que descodifica e recodifica as imagens que rodeiam a nossa vida de todos os dias (Almeida, 2002).

“A alegoria é a forma encontrada, a fragmentação, as instalações com uso de espaços arruinados, a recusa do retorno às normas estilísticas e a tentativa de encontrar novas categorias conceptuais num confronto directo com a totalidade simbólica modernista. Este confronto foi primeiramente experimentado pela Pop Art, na qual Warhol tem um papel preponderante (Foster, 1996).”

Warhol chamou atenção por trabalhar com produtos inseridos no cotidiano, no ambiente ao nosso redor, como ficou evidente em suas Brillo Box. Assim também é o Los Porongas. Utilizam-se de idéias simples e conceitos usuais, mas que na maioria das vezes não se percebe arte, como o ato de subir o rio numa voadeira (espécie de lancha). Mas quando musicalizado, este cotidiano se transforma em arte, não pelo simples fato de se transformar letra em música, mas como Warhol, por transformar o cotidiano que está na nossa cara em arte, e o simples passeio passa a ser “A proa quando apruma voa”, arte em verso, rima e música. Também em sintonia com Warhol, há a ligação com a cultura popular, a política e a moda, ainda que esta seja para efeito, uma tentativa de afastamento do tema.

“Porque era uma obra de arte quando os objetos que se assemelham exatamente a ele, pelo menos sob critérios perceptuais, são meras coisas, ou, no melhor dos casos, meros artefatos? (...) De fato, as caixas de Warhol seriam muito bons pedaços de carpintaria. (Danto)”

O Los Porongas, se assemelham exatamente a outras bandas, de fato, a música do Los Porongas seriam muito boas notas musicais. O que os torna então, mais que isso? O que torna a simples junção de notas musicais arte? Danto afirma que as Brillo Boxes não foram imediatamente aceitas pelo “mundo da arte”, e possivelmente ainda não seja pela maioria das pessoas. O Los Porongas passa pelo mesmo processo, por fugir do senso comum e ao mesmo tempo do senso modal e do elitizado do que é arte, não é aceita de imediato. Tem seu séquito de fãs, mas as grandes rádios e “majors” ainda não conseguem vê-los como mais que uma banda igual as outras, uma caixa de Brillo exatamente como outras. Mas aqui, vale lembrar o conceito de arte dado por Danto, e que se aplica tanto às Brillo Boxes quanto ao Los Porongas “Nada é uma obra de arte sem uma interpretação que a constitui como tal”. Para entender o Los Porongas como arte, devemos compreender seu contexto social e cultural, como uma banda de rock, acreana, autoral, independente e aculturada. Warhol e Los Porongas poderiam não ter sido considerados como arte na Grécia antiga, na Chartres medieval, ou na Alemanha do século XIX, mas se qualquer coisa pode ser uma obra de arte numa determinada situação e de uma teoria certa, como propõe Warhol, o mesmo se aplica aos Los Porongas.

Referências:

Freeland, Cynthia, Teoria da Arte, Tradução de Beatriz Magalhães Castro, UNB
CEAP, Centro de Estudos de Arquitectura Paisagista, Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (autor desconhecido).
<http://www.isa.utl.pt/ceap/index_files/tfclima.pdf > Acesso: 11/12/2009

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A paisagem mental de Van Gogh



Através de uma viagem mental dentro dos próprios quadros do artista, o trecho Corvos, do filme Sonhos, de Akira Korosawa nos remete aos quadros de Van Gogh e à sua forma única de ver o mundo. Forma esta, que é bem nítida também nas cartas que escreveu a diversas pessoas.

Em uma destas cartas, dirigida à Émile Bernard, em 1888, Van Gogh diz “A imaginação é certamente uma faculdade que devemos desenvolver, e só ela nos pode levar à criação de uma natureza mais exaltadora e consoladora do que o rápido olhar para a realidade (...)”. Exatamente como acabamos sendo inseridos em sua obra através do filme, acompanhamos as imagens mentais do personagem e acabamos imersos também no mundo dentro do quadro de Vang Gogh. Uma forma mais exaltadora e consoladora que um rápido olhar em uma galeria de arte por exemplo. Quando o jovem artista do filme finalmente encontra Van Gogh, este afirma que “quando há esta beleza natural, eu simplesmente me perco nela”. Com esta afirmação, o Van Gogh do filme está teorizando a prática encontrada em sua carta para Émile um ano depois.
“(...) Por isso, estou trabalhando no momento entre as oliveiras, buscando os efeitos variados de um céu cinzento contra um chão amarelo, com uma nota verde-escuro da folhagem; em outra ocasião, o chão e a folhagem são de um tom violeta contra um céu amarelo; em outra ainda, um vermelho-ocre no chão e um verde-rosa no céu”.

Em outro momento Van Gogh afirma que o Sol o compele a pintar. Esta força inspiradora está também retratada na afirmação que fez à Emile “(...) Não há nada que me impeça de pensar que no futuro muitos pintores irão trabalhar nos países tropicais”.


Van Gogh afirma seu encantamento com a forma dos japoneses fazerem arte, pois “vivem na natureza como se eles próprios fossem flores”. Mas esta mesma calma está em Van Gogh, que pacientemente busca seu quadro no trigal. Ali, ele também está vivendo na natureza, como parte viva do cenário à sua volta. Em outra carta, também à Théo, ele levanta a questão “Por que sou tão pouco artista que sempre lamento a estátua e o quadro que não estejam vivos?” Aqui, voltamos à sua necessidade de natureza, que o força a exteriorizar como locomotiva em forma de arte não viva que nunca o completa. Ele busca uma arte que respire, que não pareça pintura mas que seja natureza.

Referências:

KUROSAWA, Akira, Sonhos, Japão, 1990.
CHIPP, H.P. Teorias da Arte Moderna, São Paulo: Martins Fontes, 1996

A mímesis de Los porongas

Segundo Aristóteles a arte é “a arte da imitação”, ou seja, segundo a filosofia aristotélica a imitação (imitatio, em latim e mímesis do grego) é o fundamento de toda arte, e mais que isso, é também o que nos disntigue dos animais. Sendo assim, como inserimos neste contexto, a banda objeto de trabalho, Los Porongas, que embora toque uma música de diversas influências musico-culturais como Radiohead, Beatles e Chico Buarque, busca justamente um distanciamento dos padrões estabelecidos em prol de uma identidade única? Será possível este intento? Ou não há como se afastar desta mímesis?

Platão, criticou todas as formas de imitação, inclusive as tragédias, por não descreverem realidades idéias eternas, mas por outro lado, dizia na República que a imitação é sobretudo o resultado da inspiração e do entusiasmo do artista frente a natureza das coisas aparentemente reais. O Los Porongas, em seu discurso prime a busca pela originalidade, calcada principalmente no regionalismo acreano, se coloca frente a estas sua aparente realidade, que os inspira a produzir artísticamente, não com o intuito de reproduzir, como Platão desejava da arte, as idéias eternas, mas apenas as idéias reais, do mundo à sua volta, do Acre, da música, de sua época. Neste sentido há dois caminhos a seguir, a mímesis pode se aplicar tanto técnicamente, quanto na recriação do mundo em que o Los Porongas vive. Esta diferenciação é importante para a compreensão real do trabalho desenvolvido e sua importância segundo a proposta própria de arte ou música autoral. No primeiro caso, torna-se algo negativo, que fere inclusive a proposta da banda, no segundo, apenas confirma sua identidade, que é construída aos poucos, no ambiente que os rodeia.

"Em todos os casos, falamos de imitação enquanto forma de representação do mundo e não como uma forma de copiar uma técnica (imitatio, na retórica latina), o que foi prática corrente a partir do Império Romano, sobretudo na imitação da obra de mestres de gerações anteriores (CEIA, Carlos, E-Dicionário de termos literários). "

São Tomás de Aquino não defendia uma visão da arte como imitação, mas para E. H. Gombrich, a história da arte Ocidental é uma procura por interpretações progressivamente mais vívidas da realidade. E neste contexto, podemos situar o Los Porongas.

Retomando os pensadores medievais, em sua definição de arte e imitação, deve-se lembrar que os medievais seguiam a três princípios chave nas suas criações tais como as catedrais de Mestre Chartres: proporção, iluminação, e alegoria. Se atualizados, estes conceitos ainda podem ser aplicados à arte, mesmo a música dos Los Porongas e a luz que incide de forma intencional em seus tubos de laser e telões e simbolicamente, há a luz que ilumina o interior ao passo que o Los Porongas traz em suas letras reflexões e um convite ao agir. A proporção está na construção de suas melodias, rimas e poesia métrica na voz de Diogo Soares no seu mundo ordenado de Demiurgo. E finalmente, a alegoria, presente nas referências à cultura acreana. O próprio Los Porongas é uma alegoria na medida em que representa a luta pela identidade própria em um mundo de cópias de cópias. O grupo, é a personificação do mundo socialista, todos sabem de suas responsabilidades e agem e trabalham como uma só entidade, num só objetivo. Diogo Soares é a personificação do líder, aquele que orienta e abre caminhos para que os outros o acompanhe, mas como bom líder, nega o papel. “Para um filósofo medieval como Aquino, a alegoria era um modo lógico para entender como Deus está presente no mundo. (Freeland, Cynthia, Teoria da Arte, Pág 11)”, para um filósofo contemporâneo como Diogo Soares, a alegoria pode ser um modo lógico para entender como a música está presente no mundo.

Referências:

Freeland, Cynthia, Teoria da Arte, Tradução de Beatriz Magalhães Castro, UNB
CEIA, Carlos, E-Dicionário de termos literários <http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/M/mimesis.htm> Acesso 13/11/2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ciência e Arte.




Nas antigas sociedades a arte não era dissociada da ciência, e ambos caminhavam lado a lado. Esta separação é recente, e mais forte na cultura onde a ciência é vista pela sociedade como detentora da verdade. A arte por sua vez não obtém este reconhecimento, não obtendo sob a perspectiva do saber, uma contribuição efetiva no estabelecimento da verdade (Herrera pág.01. Na Renascença não existia ainda esta separação, “Leonardo da Vinci, por exemplo, atuava como pintor, escultor, biólogo, naturalista e filósofo. Em sua obra, é visível a integração que existia entre arte, filosofia e ciência (COSTA, Cristina, 1999:70)”. Entretanto, alguns séculos após se separaram brutalmente, sendo vistas como áreas totalmente distintas, sendo a ciência produto do pensamento racional e a arte pura sensibilidade. Para Herrera, “A ciência sistematiza, classifica, ordena, estabelece causas e efeitos na explicação dos feômenos. A arte não busca uma resposta imediata, não persegue a verdade absoluta que esgote o real como possibilidades”. Mas ainda perduram outras formas de pensar que aproximam estas duas vias:

Tanto uma como a outra são ações criadoras na construção do devir humano. Assim, o conceito de verdade científico sempre cria mobilidade, o que aproxima estruturalmente os produtos a ciência e arte. Diante disso, há cada vez mais a tendência de dimensionar a complementaridade entre arte e ciência, necessitando da distinção entre elas e, ao mesmo tempo, integrando-as numa nova compreensão do ser humano (PCN - Arte, 1997).



O que seria do mundo da ciência sem a visão artística de Júlio Verne e mesmo Arthur C.Clark? Ou de Leonardo da Vinci? Era tão grande artista quanto cientista, e o conhecimento empregado em ambas as áreas serviram de mola propulsora tanto para o desenvolvimento da arte quanto da ciência. O próprio Einsten, afirmou que ao teorizar não “pensava em palavras”, mas primeiro criava mentalmente uma forma de pensamento visual (ícones), para então, traduzir seu pensamento visual para equações e fórmulas. Para os pintores e escultores existem uma série de fórmulas físicas e matemáticas que delineam seu trabalho, é preciso não apenas a sensibilidade artística ou a inspiração, é preciso também o conhecimento científico das leis de perspectiva, proporção áurea, etc...
Hoje, muitas obras tomam como tema questões relacionadas à tecnologia e ao conhecimento científico conseqüente. Pinturas fractais, arte digital, imagens microscópicas transformadas em belas paisagens... A ciência e a arte estão se reencontrando novamente, e deste reencontro, nenhuma sai ganhando, as duas saem.

Referências:

HERRERA, Antônia Torreão, Arte e ciência, Universitas Cultura, Salvador.
QUADROS, Cláudia Teresinha e col, Arte e Educação: Funções e significados

sábado, 5 de dezembro de 2009

Trecho do filme “Sonhos” de Akira Kurosawa (em português)

No episódio intitulado “Corvos” do filme “Sonhos” de Akira Kurosawa, o famoso diretor japonês nos mostra o seu fascínio pelo pintor Vincent Van Gogh. Nesse episódio um homem, ao admirar um quadro do artista, é levado para dentro da obra. Além de passear pelas pinturas do ídolo ao som da 9ª sinfonia de Beethoven, recebe uma lição de pintura do holandês: só é capaz de pintar aquele se envolve com a natureza, que a admira e segue a beleza que ela tem a oferecer.

A arte de Vik Muniz




Muniz, Vik (1961)         

Biografia
Vicente José de Oliveira Muniz (São Paulo SP 1961). Fotógrafo, desenhista, pintor e gravador. Cursa publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, em São Paulo. 

Em 1983, passa a viver e trabalhar em Nova York. Realiza, desde 1988, séries de trabalhos nas quais investiga, principalmente, temas relativos à memória, à percepção e à representação de imagens do mundo das artes e dos meios de comunicação. Faz uso de técnicas diversas e emprega nas obras, com freqüência, materiais inusitados como açúcar, chocolate líquido, doce de leite, catchup, gel para cabelo, lixo e poeira. 

Em 1988, realiza a série de desenhos The Best of Life, na qual reproduz, de memória, uma parte das famosas fotografias veiculadas pela revista americana Life. Convidado a expor os desenhos, o artista fotografa-os e dá às fotografias um tratamento de impressão em periódico, simulando um caráter de realidade às imagens originárias de sua memória. Com essa operação inaugura sua abordagem das questões envolvidas na circulação e retenção de imagens. 

Nas séries seguintes, que recebem, em geral, o nome do material utilizado - Imagens de Arame, Imagens de Terra, Imagens de Chocolate, Crianças de Açúcar etc. -, passa a empregar os elementos para recriar figuras referentes tanto ao universo da história da arte como do cotidiano. Seu processo de trabalho consiste em compor as imagens com os materiais, normalmente instáveis e perecíveis, sobre uma superfície e fotografá-las. Nessas séries, as fotografias, em edições limitadas, são o produto final do trabalho. 

Sua obra também se estende para outras experiências artísticas como a earthwork e as questões envolvidas no registro dessas criações.

Fonte Itaú Cultural

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Trecho do filme Sonhos, de Akira Kurosawa

No episódio intitulado “Corvos” do filme “Sonhos” de Akira Kurosawa, o famoso diretor japonês nos mostra o seu fascínio pelo pintor Vincent Van Gogh. Nesse episódio um homem, ao admirar um quadro do artista, é levado para dentro da obra. Além de passear pelas pinturas do ídolo ao som da 9ª sinfonia de Beethoven, recebe uma lição de pintura do holandês: só é capaz de pintar aquele se envolve com a natureza, que a admira e segue a beleza que ela tem a oferecer.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Los Porongas e a análise tripartite

Tomando por base Cynthia Freeland e a análise tripartite na Teoria da Arte, que busca compreender as propriedades formais e materiais; o conteúdo e o contexto ao qual o trabalho está inserido, tomemos como objeto de estudo a banda Los Porongas, na tentativa de, através da análise, estabelecer de que forma o belo e os conceitos de beleza podem estar sendo percebidos pela comunidade e sob certa perspectiva, defender o trabalho assim como a crítica Lucy Lippard o fez com Serrano.

Vamos começar pelo título sintomático de seu primeiro trabalho, “Enquanto uns dormem”, é preciso, assim como diz na música Espelho de Narciso, precisão. Caso contrário, acha-se o avesso do inverso do verso. A banda prima pela poesia, deste modo, é impregnada de diversas formas de interpretação, mas, para mim, e para uma grande parcela de fãs da banda, “Enquanto uns dormem, o Porongas correm atrás”. Ao mostrar a capa do CD e o título à minha esposa, dizendo que era possivelmente a melhor banda do Acre na atualidade, o Los Porongas lhe pareceu promissor. Ouvindo, entretanto, ficou decepcionada. Certamente isto ocorre na mesma proporção em que eles encantam velhos fãs e arregimentam novos, pois fugir dos clichês e ter personalidade própria, ao mesmo tempo, em que rema contra a maré e faz música autoral não é tarefa fácil no cenário artístico musical contemporâneo. O professor Carlos Rogério Duarte aponta árduo caminho trilhado pelo Los Porongas ao retratar a lógica ideológica deste cenário musical:

“já vem se delineando – espero que já venha se delineando – na música independente uma outra lógica: as canções ou músicas são obras de arte; a produção, de custos baixos e de qualidade, é sobretudo resultado de paixão; a diversidade é condição necessária, já que a pretensão não é fazer que o artista se torne produto consumível, mas que ele seja admirado pelas qualidades estéticas intrínsecas a sua obra”

Desta forma, fica claro que o título “Enquanto uns dormem” é uma alusão a esta realidade ideológica à qual o Los Porongas está imerso ativa e psicologicamente. Alguns dormem no público, não conseguem ainda sonhar com uma banda como o Los Porongas por sua limitação auditiva ou cultural. Outros dormem no cenário descrito por Rogério Duarte, e deixam de seguir os passos que os levariam ao encontro de seus anseios. Outros dormem atrás de mesas de gravadoras, sonhando com produtos prontos para o consumo de uma geração coca-cola, twitter e ipod que busca a “melhor banda de todos os tempos da última semana (Titãs)”. Enquanto isso, o Los Porongas também sonha, mas belamente acordado.

Com relação às qualidades materiais do Los Porongas, vamos considerar de imediato o significado intencional dos artistas. O Los Porongas deixa claro sua proposta em seu site oficial:

“Os Los Porongas ficaram conhecidos no circuito Acre-Rondônia pela sonoridade difícil de rotular, pelo zelo com a construção poética das músicas e pela preocupação em fortalecer a cena musical urbana da região (...) A diversidade de influências musicais é essencial para a construção da sonoridade da banda”

Esta atitude, do Los Porongas, se assemelha muito à de Serrano, na análise de seu trabalho feita por Lippard “mostrar como a nossa cultura contemporânea está comercializando e está pechinchando o Cristianismo e os seus ícones”. Encontramos a mesma atitude do Los Porongas ao trocar o cristianismo pelo cenário musical e as bandas deste cenário. Esta postura, aliada à sua musicalidade e a música realizada de forma autoral do Los Porongas é o fator que mais significado incorpora ao trabalho em sua definição de obra de arte. Segundo Jakobson (2005): “É precisamente essa interconexão das partes, assim como sua integração em um todo composicional, que funciona como o próprio signatum da música”.

Precisamos neste ponto situar o Los Porongas em seu contexto social e artístico para compreender seu percurso musical. Esta etapa do processo, amparando-se também em fragmentos do processo tripartite proposta por Molino agrega também informações externas ao fato musical, que também pode lhe conferir novos significados, ou reforçar os já existentes (NATTIEZ 2005). Neste sentido, toma grande importância o local de nascimento da banda. O Acre, Estado longínquo, do eixo Rio-São Paulo, terra de seringueiros, florestas e o mito que envolve Chico Mendes e a dita Florestania, que virou slogan político. Mas isto não significa que estejam longe do restante do Brasil:

“Com esse aquecimento cultural, as cenas locais produzem uma espécie de consciência coletiva de que é possível interferir no mundo, por mais distante que se esteja dos grandes centros culturais (Diogo Soares)”.

Este modo acreano de vida, que respira um ar diferente do restante do Brasil, de um lugar que em um passado não muito remoto foi negado pelo próprio Brasil, e foi posteriormente aceito como um pedaço de Brasil através do sangue derramado de muitos seringueiros impregna o Los Porongas, daí talvez resida sua busca por uma identidade própria. Nem bolivianos, nem peruanos, nem brasileiros, simplesmente acreanos. De outro lado, “Na diversidade de influências da banda, estão presentes Beatles, Radiohead, Kula Shaker Ocean Colour Scene, Moby, Nirvana, Gilberto Gil, Los Hermanos, The Smiths, Oasis, The Yeah, Yeah, Yeahs, Stone Roses, Vanguart, Superguidis, Chico Science e Nação Zumbi (My Space Oficial Los Porongas)”. Esta influência cultural foi absorvida em grande porcentagem pelos Los Porongas, e deste cadinho saiu um estilo único, nem rock, nem MPB, nem Indie, apenas uma bela obra de Arte definida como Los Porongas.

Referências:


FREELAND, Cynthia, Teoria da Arte, tradução, CASTRO, Beatriz Magalhães, UNB.
PIOVESAN, Lucas, A Teoria Semiológica Tripartite http://www.scribd.com/doc/17114611/CAPITULO-2 Acesso: 05/11/2009
DUARTE, Carlos Rogério, A métrica do Grito < http://ametricadogrito.blogspot.com/ > Acesso: 07/11/2009
Los Porongas site Oficial: < http://www.losporongas.com.br/> Acesso: 07/11/2009Myspace Los Porongas: <http://www.myspace.com.br/losporongas> Acesso: 07/11/2009

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Espaço Ritual: Santo Daime


Escolhi como objeto de estudo a igreja constituída Santo Daime, em Rio Branco, Acre. Uma igreja de proporções medianas, toda pintada de branco, em um local bastante afastado do centro, como se buscasse um refúgio seguro para a prática de uma fé perseguida, como o fizeram também os primeiros cristãos, protestantes ou de todo culto distante da religiosidade oficial da cultura à qual está inserida. Muitas árvores em um grande terreno, córregos e flores deixam o cenário condizente com uma religião tão ligada à floresta e aos povos indígenas. Neste cenário, o único objeto que parece identificar a igreja como tal é a cruz que se encontra na sua fachada. Não é a cruz cristã, mas o Cruzeiro, também chamado de Cruz de Caravaca, um dos símbolos mais importantes do Daime, que significa tanto uma alusão ao retorno de Jesus Cristo quanto o trabalho de cada discípulo numa sobreposição dos braços da cruz. Entretanto, existem ainda outras interpretações.


O espaço interno é amplo, mas dividido, pois além do espaço ritualístico, onde é realizado o culto propriamente dito, há também outros espaços, como os dormitórios (para participar do culto é preciso estar “espiritualmente preparado”, ou seja, cumprir determinadas regras, como não usar drogas, beber ou fazer sexo no mínimo por três dias anteriores ao ritual). Há também outro importante espaço, que é onde se realiza a produção do chá de Daime, ou a Ahyauasca, uma bebida feita a partir do cipó jagube (banesteriopsis caapi) e da folha chacrona (psicotrya viridis), também conhecida como rainha, que lembra muito um pé de café. Este preparo é chamado Feitio. O processo é todo manual, e mais que isto, todo o processo segue fielmente um ritual próprio. Somente homens tocam nos cipós, enquanto que as folhas só podem ser colhidas pelas mulheres. O preparo da mistura (ou carga) é feito enquanto se recita os hinos do Daime, e obedecendo ao ritmo das batidas sincronizadas consegue-se uma espécie de transe, ou concentração profunda que une os preparadores em uma só canção ritual que assim como o culto posterior, pode ser enquadrado na Teoria da Arte de Cyntia Freeland “(...)um grupo de pessoas guiadas por certos objetivos e possa produzir valor simbólico através do uso de cerimônias, gestos, e artefatos. Rituais de muitas religiões no mundo envolvem ricas cores, padrões, e esplendor.” Ou, como a autora continua em seu raciocínio, “Para os participantes num ritual, clareza e convenção do propósito é central; o ritual reforça a relação formal da comunidade com Deus ou a natureza através de gestos que todo o mundo sabe e entende”, fatores estes existentes em toda a ritualização do Daime.


Segundo a crença daimista, o efeito do chá não é alucinógeno, mas sim de propriedades enteógenas, ou seja, ele abriria as portas da percepção (como diria Huxlei) para o descarrego daquilo que “entope” a alma, que só serve para nos prejudicar. Este descarrego é como uma limpeza, purificação da alma em uma experiência direta com o divino. Há porém, o efeito colateral, por muitas vezes, o fiel é cometido por uma crise de vômito, diarréia ou fortes dores, é a chamada “surra”, que segundo os fiéis acomete aquele que está despreparado espiritualmente.
No espaço de culto, muitas imagens de santos são incorporadas ao daime, mostrando a forte influência cristã sobre este ritual ancestral, praticado inicialmente por índios Incas que viviam entre as fronteiras do Perú e Brasil. O Daime como religião, foi iniciado nos anos 20 e 30, com o mestre Raimundo Irineu Serra, “ele recebeu essa Doutrina através de uma aparição de Nossa Senhora da Conceição,em uma das primeiras vezes que tomou a bebida, na região de Basiléia, Acre (Cefluris, 2000).” No mesmo espaço, pode-se encontrar outros objetos, como a estrela de Salomão, de onde se origina o formato hexagonal das igrejas do Daime. Essa estrela também ornamenta a farda dos daimistas, sendo colocada sobre o peito, de forma a indicar a iniciação na doutrina. A farda pode ser branca, para os rituais, ou azul para outros trabalhos. Nas mulheres, uma faixa verde perpassa os ombros lateralmente, e do ombro esquerdo parte uma série de fitas coloridas e uma coroa completando o traje, lembrando em muito as roupas das prossições nordestinas. Há ainda na mesa no centro da igreja, imagens de Jesus e de Nossa Senhora, os chefes da doutrina. Pode-se ver ainda muitos cristais, velas e o Rosário, sobre a cruz de Caravaca, lembrando mais uma vez a influência católica, que é confirmada pelas rezas. Sendo um culto musical, o Maracá é um objeto indispensável ao ritual através do ritmo das mãos masculinas e do vai e vem do bailado, estabelecendo um padrão ou freqüência mântrica para a transformação do estado de consciência e do mundo interior do xamã.


O culto já foi muitas vezes perseguido, e ainda hoje é visto com desconfiança, mas hoje, o culto é considerado legal. O CONFEN (Conselho Federal de Entorpecentes) declarou em 1987 que "os rituais religiosos realizados com a bebida sacramental Santo Daime não traziam prejuízos à vida social e sim, contribuíam para a sua maior integração, sendo notório os benefícios testemunhados pelos membros dos grupos religiosos usuários". E com relação ao chá que é ingerido pelos fiéis, e que por muitos é considerado apenas uma droga alucinógena, para o CONFEN "o SantoDaime não apresenta características do abuso de drogas, pelo seu uso ritualístico, descontínuo e ausência de alterações comportamentais."

referências:

FREELAND, Cynthia, Teoria da Arte, tradução, CASTRO, Beatriz Magalhães, UNB.
Internet:
TV Aldeia, Pronto Socorro da Cura < http://www.youtube.com/watch?v=V2hWKp-ebv0 > Acesso: 07/11/2009
Céu de Maria < http://www.ceudemaria.org/ > Acesso 07/11/2009
A Doutrina da Floresta < http://www.santodaime.org/ > Acesso: 07/11/2009
Mestre Irineu < http://www.mestreirineu.org/ > Acesso: 07/11/2009
Músicas: <http://www.tiosam.net/mp3.asp?q=Santo+Daime> Acesso: 07/11/2009
Foto:
Mestre Irineu - Santo Daime - CICLUMIG < http://www.mestreirineu.org/ >

domingo, 29 de novembro de 2009

Los Porongas como representante legítimo da arte como ritual

Segundo Cynthia Freeland, em Teoria da Arte, “atos adquirem significado simbólico por incorporação em um sistema de convicção compartilhado (pág 03)”. Neste contexto, a música, mesmo o rock da banda acreana Los Porongas, pode ser considerada como parte de um ritual, realizado através da convicção compartilhada entre o grupo que se apresenta e o público que o assiste.
Esta reciprocidade que une público e artista no momento do show cria ao mesmo tempo o significado do ato de apresentar-se num palco. Esta idéia se desenvolve no texto quando a autora afirma que a arte como ritual pode ser plausível “desde que a arte possa envolver um grupo de pessoas guiadas por certos objetivos e possa produzir valor simbólico através do uso de cerimônias, gestos, e artefatos. (pág.03)”. Aqui nós temos o cenário amplamente clarificado pela evidência; enquanto os músicos tocam seus acordes nas guitarras distorcidas, o baixo e a bateria fazem uma levada que remete às batidas tribais, comumente citadas nas teorias musicais, onde a e pulsação e repetição dos compassos remete imediatamente à tão necessária repetição nos rituais. Do blues do Mississipi aos ingleses do Led Zeppelin e dos acreanos Los Porongas, a levada contagia, pois o ritmo é a base da música, e da mesma forma, dos rituais presentes em religiões e cultos que fazem da música parte de sua religiosidade, desde o Candomblé e sua cerimônia pública, denominada “Toque” (essencialmente musical) às cerimônias indígenas. O rock do Los Porongas vai além do entretenimento, é um estilo de vida abraçado por seus membros e por seus fãs, o que mais uma vez legitima a arte realizada pelos Porongas como parte de um rito. Segundo antropólogos como Rivière e Terrin, os ritos podem ser definidos como atividade estruturada de “estilos de vida (...) ritualidade e performances capazes de organizar o mundo” (Terrin:2004:402). Estaríamos aqui no âmbito da ritualidade profana que se expressa em estilos de vida da sociedade moderna. Analisando as expressões dos estilos de vida no contexto da sociedade do espetáculo, Terrin argumenta que elas se movem sob a marca de uma “ritualidade sem mitos”.
O Los Porongas é um grupo, mas é fato que seu vocalista, Diogo Soares, mesmo que não queira, é o líder. Ele é principal responsável pelas letras da banda quanto pela “cara” que a banda possui. Mas sua importância no sentido ritual da música vai além, pois “Tanto nas culturas arcaicas quanto nas sociedades modernas, nos rituais há sempre um líder portador do objeto mágico, que representa a mediação entre o profano e o sagrado (Patias)” e sua performance, sua maneira de se portar no palco e forma de cantar funciona como um canal, um maná para a platéia absorver a energia da banda e seu instrumento mágico para isso é o microfone e ele é o xamã que busca levar a platéia do profano ao sagrado.


Referências:

FREELAND, Cynthia, Teoria da Arte, Tradução Castro, beatriz Magalhães, UNB.
PATIAS, Jaime Carlos O sagrado e o profano: do rito religioso ao espetáculo midiático, II Seminário Comunicação na Sociedade do Espetáculo, São Paulo.

Como ser socialmente produtivo através do pensamento artístico

Quando Fisher afirma que "o trabalho para um artista é um processo altamente consciente e racional, um processo ao fim do qual resulta a obra de arte como realidade dominada, e não - de modo algum - um estado de inspiração embriagante" ele está evidenciando a necessidade de planejamento em todas as atividades que realizamos, e não apenas quando falamos de desenho. Ele usa o desenho como mensagem, mas podemos facilmente perceber que o raciocínio se aplica a todos os outros campos.

Não adianta sentar e esperar inspiração para executar nossos projetos, sejam eles quais forem. Somente após muita reflexão, comparações mentais, dúvidas e até devaneios, nos deparamos com algum resultado. Mas não chegamos a este resultado de forma mágica, como uma inspiração inesperada, enviada por seres míticos ou sonhos miraculosos. Talvez alguns destes até nos sejam reais para o processo de criação de algumas pessoas, mas mesmo estes fazem parte de um processo lento de transpiração, onde as idéias amadurecem antes de desabrochar na consciência. Como afirma Fisher “a emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e convenções...” Não podemos acreditar sob nenhuma hipótese, que uma obra de arte nasce de um dia para outro, sem nenhum grau de envolvimento anterior, tampouco podemos acreditar na possibilidade de uma mudança social seja ela qual for, sem o devido esforço para elaborar os meios de sua concretização. Um projeto arquitetônico exige estudos preliminares, um discurso não é simples falatório. Para tudo precisamos trabalhar os conceitos com antecedência, ir aos poucos, descortinando a estrada que nos levará ao objetivo final.

Se levarmos este aspecto à prática diária, não ficaremos sentados esperando que a sociedade nos apresente magicamente soluções para o dia-a-dia, pelo contrário, estaremos sempre tratando das idéias, buscaremos conhecer as regras do mundo, as técnicas para o que queremos realizar, quais recursos poderemos utilizar. Enfim, estaremos trabalhando, pensando, buscando uma forma de sermos socialmente construtivos e produtivos; como artistas e como homens.

Referências:

FISCHER Ernst, A Necessidade da Arte, Editora Guanabara, Nona Edição

sábado, 28 de novembro de 2009

Motivação, inclusão e respeito às diferenças

Para se trabalhar em sala de aula com o ensino-aprendizagem de artes, levando em consideração a motivação e o respeito às diversidades indicados no texto “Processos Motivacionais e Inclusão Escolar: Contribuições à formação do professor de Artes”, de Diva Maciel, é preciso em primeiro lugar analisar a posição do educador de forma crítica e em conformidade com a realidade, reconhecendo que a motivação e a inclusão não são distintos, sendo na verdade, complementares e indissociáveis.

Primeiro vamos tratar da motivação. Dentre todos os problemas que existem no ambiente escolar, a motivação é o que exige maior esforço, pois é comum aos professores o confronto com alunos apáticos, desinteressados ou que apresentem elevado grau de resistência ao que lhes é ensinado. Muitos professores desistem ou acabam deixando que os alunos o guiem por no final das contas, ser ele o afetado pela desmotivação, quando deveria ser o oposto. Normalmente a culpa é colocada nos alunos, apontados como “a pior sala da escola”, “uma turma sem respeito”, etc. Mas na verdade, isto ocorre por falta de conhecimento e despreparo do professor e não por quaisquer culpas atribuídas à turma, pois é o professor quem é o detentor do conhecimento a ser transmitido, e é ele também quem deve possuir as ferramentas e estratégias para que esta transferência ocorra. O professor deve estar preparado para os problemas que irão surgir e para utilizar-se dos métodos educacionais visando motivar seus alunos.

Entretanto, é aqui onde o despreparo impera. Muitos professores, destituídos do conhecimento dos processos que podem auxiliá-los, agem de acordo com tentativa e erro, como se após algumas atitudes errôneas um acerto as corrigisse. Muitos tentam comprar a motivação da turma, o que segundo o exposto por Diva Maciel é errôneo, já que a recompensa acaba diminuindo a motivação intrínseca. Para motivar nossos alunos, é importante não trabalharmos em cima da motivação extrínseca, pois esta, em longo prazo acomoda os alunos e os foca apenas na recompensa. Eles passam a trabalhar bem apenas em troca da recompensa. Deve-se ao contrário, trabalhar não com a recompensa como estímulo, mas com o elogio, ou o feedback-verbal, pois estimula a motivação intrínseca. Segundo Otero (2003), “são três motivações que se encontram em todas as pessoas humanas, embora em proporções distintas. Se predominar a motivação extrínseca, a pessoa está dependente, de certo modo, das reações dos outros e atua interesseiramente; se predominar a intrínseca, a pessoa pode decidir-se pela ação tendo em vista a sua melhoria pessoal; se predominar a transcendente a pessoa atua pensando ou abrindo-se às necessidades alheias ou à melhoria pessoal dos destinatários da sua atividade”.

Para saber motivar, e o quê motivar, é preciso conhecer os alunos, seus pensamentos, sua cultura, sua realidade, pois assim podemos criar as situações motivacionais a que pretendemos utilizar como impulso para o desenvolvimento psicológico da criança. Tomando como ponto de partida uma sala de aula de crianças carentes da periferia de uma grande cidade, com faixa etária na casa dos sete anos de idade, como motivá-los? Oliveira nos diz que “conhecendo o nível de desenvolvimento dos alunos, a escola dirigir o ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando realmente como um motor de novas conquistas psicológicas. Para a criança que freqüenta a escola, o aprendizado escolar é elemento central no seu desenvolvimento (OLIVEIRA, 2002, p. 61-62).” Ou seja, deve-se trabalhar o que Vigotski definiu como as zonas de desenvolvimento, estimulando através do conhecimento de seu desenvolvimento real o seu desenvolvimento potencial. Tomemos como exemplo um garoto que não sabe desenhar e não tem confiança para fazê-lo (por medo de ser ridicularizado, de ter seu desenho mal avaliado, etc). Em primeiro lugar, não se deve cobrar de uma criança nesta idade um desenho artístico, e muitas crescem sem saber desenhar justamente por em determinado momento ter tido seu desenvolvimento real mal compreendido e por isso, ter recebido cobranças além de sua capacidade naquele momento. Desta forma deve-se elogiar os pequenos avanços da criança, tornando seu desenvolvimento crescente, porém sem saltos bruscos. Sua confiança deve ser estimulada, e para isso não se pode deixar a criança obter grandes fracassos, pois estes desestimulam a autoconfiança. Para se motivar é imprescindível que se estimule auto-estima.

Como citado anteriormente, a inclusão está também vinculada à motivação, pois, não se pode esperar resultado com a inclusão se estes alunos não receberem a devida atenção, com o devido grau de motivação. Um aluno incluído é um aluno que já sofreu algum tipo de discriminação, e em algum momento foi excluído, pois se não o fosse, não seria necessário a inclusão, pois ele já faria parte deste sistema. Desta forma, é necessário que esta inclusão seja realizada de fato, com uma adaptação da escola à realidade destes alunos, e não destes alunos a escola, como o pensamento comum tende a ponderar. Não existe nada mais desmotivador à um aluno portador de uma determinada diferença, que observar a escola onde foi “incluído” sem a menor preocupação de adaptar-se a suas diferenças.

Segundo o texto, “estar na escola é condição necessária, mas não suficiente, para a inclusão. Para estar incluído, é necessário que o aluno esteja participando e construindo conhecimento, isto é, aprendendo e desenvolvendo suas potencialidades. Portanto, outra condição necessária para a inclusão é estar em permanente busca de identificação de barreiras, permanentes ou factuais, que possam limitar, ou mesmo impedir, a inclusão. (Pág 09)”. Para que a inclusão tenha efeito, é necessário trabalhar principalmente em estratégias que visem o trabalho em grupo, o que estimula a visão de igualdade perante as diferenças. “Qualquer que seja a forma adotada para distribuir as atividades ao longo do dia é interessante que o planejamento contemple momentos de participação coletiva de toda a classe, momentos em que cada um trabalhe por si só, e em que os alunos interagem mais intensamente, trabalhando em grupos (Souza, apud FERREIRA, 2002, p. 22)”. Para a educadora Maria Teresa Égler Mantoan, “Diferentemente do que muitos possam pensar, inclusão é mais do que ter rampas e banheiros adaptados. A equipe da escola inclusiva deve discutir o motivo de tanta repetência e indisciplina, de os professores não darem conta do recado e de os pais não participarem. Um bom projeto valoriza a cultura, a história e as experiências anteriores da turma. As práticas pedagógicas também precisam ser revistas. Como as atividades são selecionadas e planejadas para que todos aprendam? Atualmente, muitas escolas diversificam o programa, mas esperam que no fim das contas todos tenham os mesmos resultados. Os alunos precisam de liberdade para aprender do seu modo, de acordo com as suas condições. E isso vale para os estudantes com deficiência ou não.”

Portanto, o mais importante de tudo é que para existir uma inclusão de fato, bem como uma permanente motivação dos alunos, deve-se buscar além das estratégias de ensino, da alteração e adaptação de espaços e adaptações curriculares, destruir as barreiras existentes na mente e na atitude de cada um.


REFERÊNCIAS

Maciel, Diva, Processos Motivacionais e Inclusão Escolar: Contribuições à formação do professor de Artes.
Leite, E. C. R.; Ruiz, J. B.; Ruiz, A. M. C.; Aguiar, T. F.; Oliveira. M. R. C. Influência da Motivação no Processo Ensino-Aprendizagem, Akrópolis, 13(1): 23-29, 2005

Nova Escola, <http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/inclusao-no-brasil/maria-teresa-egler-mantoan-424431.shtml> Acesso em 04/07/2009