sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A paisagem mental de Van Gogh



Através de uma viagem mental dentro dos próprios quadros do artista, o trecho Corvos, do filme Sonhos, de Akira Korosawa nos remete aos quadros de Van Gogh e à sua forma única de ver o mundo. Forma esta, que é bem nítida também nas cartas que escreveu a diversas pessoas.

Em uma destas cartas, dirigida à Émile Bernard, em 1888, Van Gogh diz “A imaginação é certamente uma faculdade que devemos desenvolver, e só ela nos pode levar à criação de uma natureza mais exaltadora e consoladora do que o rápido olhar para a realidade (...)”. Exatamente como acabamos sendo inseridos em sua obra através do filme, acompanhamos as imagens mentais do personagem e acabamos imersos também no mundo dentro do quadro de Vang Gogh. Uma forma mais exaltadora e consoladora que um rápido olhar em uma galeria de arte por exemplo. Quando o jovem artista do filme finalmente encontra Van Gogh, este afirma que “quando há esta beleza natural, eu simplesmente me perco nela”. Com esta afirmação, o Van Gogh do filme está teorizando a prática encontrada em sua carta para Émile um ano depois.
“(...) Por isso, estou trabalhando no momento entre as oliveiras, buscando os efeitos variados de um céu cinzento contra um chão amarelo, com uma nota verde-escuro da folhagem; em outra ocasião, o chão e a folhagem são de um tom violeta contra um céu amarelo; em outra ainda, um vermelho-ocre no chão e um verde-rosa no céu”.

Em outro momento Van Gogh afirma que o Sol o compele a pintar. Esta força inspiradora está também retratada na afirmação que fez à Emile “(...) Não há nada que me impeça de pensar que no futuro muitos pintores irão trabalhar nos países tropicais”.


Van Gogh afirma seu encantamento com a forma dos japoneses fazerem arte, pois “vivem na natureza como se eles próprios fossem flores”. Mas esta mesma calma está em Van Gogh, que pacientemente busca seu quadro no trigal. Ali, ele também está vivendo na natureza, como parte viva do cenário à sua volta. Em outra carta, também à Théo, ele levanta a questão “Por que sou tão pouco artista que sempre lamento a estátua e o quadro que não estejam vivos?” Aqui, voltamos à sua necessidade de natureza, que o força a exteriorizar como locomotiva em forma de arte não viva que nunca o completa. Ele busca uma arte que respire, que não pareça pintura mas que seja natureza.

Referências:

KUROSAWA, Akira, Sonhos, Japão, 1990.
CHIPP, H.P. Teorias da Arte Moderna, São Paulo: Martins Fontes, 1996

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