segunda-feira, 19 de julho de 2010

O ensino das Artes Visuais

O ensino das artes visuais na escola está passando por um estágio de definição. Já sofreu inúmeras mudanças desde suas raízes no academicismo europeu, mas sobretudo, após o século XIX e no início do séculoXX, quando a idéia dominante era de que a arte deveria se estendida à todas as classes sociais, embora com finalidades voltadas ao trabalho. Entretanto, este processo ainda não conseguiu estabelecer sua fórmula ideal, que seja aceita pela maior parte dos educadores ao mesmo tempo em que consiga cumprir todos seus objetivos educacionais, talvez, por em estar em constante evolução. De acordo com ASLAN “Em cada época e lugar, um conjunto complexo de intenções, teorias, práticas e valores afetam as tendências pedagógicas”

Desta forma a pretensão deste trabalho não é apontar qual o melhor sistema de ensino ou a melhor escola, mas apenas analisar de modo genérico, sem apontar uma época ou sistema específico de ensino de arte a forma como a arte está sendo ensinada hoje na maioria das escolas e qual é o foco deste ensino. Muitas vezes tido apenas como um “ensinar a copiar desenhos”, o ensino das Artes Visuais sofre com a falta de visão de muitos coordenadores pedagógicos, professores e alunos que não conseguem enxergar nos objetivos do ensino das Artes Visuais uma ferramenta capaz de ir além do brincar de arte. Se por um lado os objetivos desta disciplina caminham entre fomentar o conhecimento, desenvolver o senso crítico, a sensibilidade artística e o conhecimento teórico que embasa tudo isso, na prática o que vemos são alunos desinteressados e professores despreparados para fazer cumprir estes objetivos.

“a educação crítica e performativa sobre a cultura visual é muito mais que uma celebração dos prazeres dos aprendizes” Hernández (2007 pág 70).

Isso significa que se esquecendo dos objetivos do ensino e assumindo uma posição passiva e despreparada o arte-educador se limita a oferecer aos alunos apenas exercícios superficiais, embasados apenas no fato de que irá entretê-los, deixá-los “fazendo alguma coisa” agradável para assim criar a ilusão de que gostam de arte (ou no caso, ao menos da aula). Ele aponta que é muito mais válido “propor algo que os incomode e desafie, colocando em circulação diferentes saberes e provocando o envolvimento dos sujeitos” (pág 82). Note-se ainda que Hernández utilize o termo cultura-visual. Neste trabalho não se pretende entrar nesta questão etimológica, por isso consideremos apenas que todos os termos ligados às Artes Visuais que porventura sejam utilizados são referências ao ensino de Artes.
“Para nós, arte/educação ou ensino de artesvisuais é entendida de modo genérico como qualquer prática de ensino e aprendizagem em artes visuais e visualidade, em qualquer relação de tempo e espaço (DIAS, Pág 05)”

Esta postura de passividade demonstra a falta de qualquer método no ensino de Artes Visuais. Cria-se uma sensação de que nada se aprende realmente, uma situação tão ruim quanto a escolha de uma metodologia equivocada, que acabe privilegiando culturas hegemônicas ou mesmo determinados alunos em relação à outros, o que também ocorre com freqüência. Segundo Donald Schon

“os bons profissionais utilizam um conjunto de processos que não dependem da lógica, da racionalidade técnica, mas sim, são manifestações de sagacidade, intuição e sensibilidade artística” (O saber fazer-docente, 2002)

Desta forma, fica evidente que o bom ensino depende de um tênue equilíbrio entre teoria e prática. Se por um lado, há passividade e a carência de método, por outro há o método mal aplicado e o tecnicismo. Para encontrar o equilíbrio nesta equação, o professor deve planejar, seu método de ensino embasado em objetivos claros e definidos. A intuição, sagacidade e sensibilidade artística citadas por Schon são as ferramentas que darão equilíbrio à esta composição. Se utilizadas em demasia, afastam-se do método e não alcançam seu objetivo. Se não utilizadas, causam um aprendizado mecânico, frio e amarrado, que não consegue envolver e tampouco chega aos objetivos desejados.

Mas também é evidente que o ensino precisa estar embasado em objetivos bem definidos, que sirvam como a bússola do processo, afinal, todo o processo metodológico e tudo que o professor propõe em sala de aula é para fazer cumprir determinado fim. Sem a bússola o navegador se perde na vastidão do oceano, onde as possibilidades são muitas podem afastar cada vez do objetivo pretendido. Navegadores mais experientes podem até esquecer este instrumento e se guiar pelas estrelas, mas na maioria das vezes a chegada se dará de forma mais dificultosa e nem sempre sem avarias. O segredo é planejar,

“Para tal empreendimento, o professor realiza passos que se complementam e se interpenetram na ação didático-pedagógica. Decidir, prever, selecionar, escolher, organizar, refazer, redimensionar, refletir sobre o processo antes, durante e depois da ação concluída” (LEAL, Pág 02).

Mas o cenário apontado anteriormente é um retrato de como se encontra o ensino de Artes Visuais como um todo, não avalia e não tem a pretensão de abranger a todos os profissionais, pois é nítido também que já existe uma mudança nestes paradigmas, e não só os profissionais começam a se adequar à esta nova realidade de ensino, o fazem também as instituições e os governantes. Segundo ASLAN, os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) surgidos à partir de 1990 começam a contribuir para uma nova visão para o ensino da arte “porque não são uma metodologia nem uma proposta de currículo, e sim um conjunto de princípios que reorientam a visão do ensino de arte” .




Referências

ARSLAN, Luciana Mourão e IAVELBERG, Rosa. O Ensino de Arte no início do século XXI. 2006. Thomson Learning.

HERNANDÉS, Fernando. Catadores da Cultura Visual: transformando fragmentos em nova narrativa educacional. 2007. Editora Mediação.

LEAL, Regina. Planejamento de Ensino: peculiaridades significativas. Universidade de Fortaleza.

DIAS, Belidson. Escritos Essenciais, Unidade 3. UNB-UAB

domingo, 18 de julho de 2010

Arte, Artesanato e Design

O período da industrialização foi marcado por uma ruptura artística entre o romantismo e o academicismo. O romantismo fazia prevalecer qualidades baseadas no sentimento, na emotividade, na personalização da obra através do trabalho artístico, indo contra os métodos acadêmicos, que pareciam privilegiar mais a reprodução que a criação artística. Esta discussão se estendeu mais com a industrialização, pois se antes a Arte não podia ser reproduzida em grande escala, após o advento das máquinas e das possibilidades de se reproduzir as obras artísticas em série, foi necessário levantar-se novos questionamentos sobre o que era arte e o que era mero produto.

Não acredito na distinção que se faz entre arte e artesanato. Esta distinção se baseia numa premissa maniqueísta de que ou há artistas ou não há. Como se todos os artesãos houvessem sido engolidos pela indústria e hoje toda arte em série seria artesanato, uma arte menor à qual não há nenhum aspecto superior. Esta afirmação de que toda arte reproduzida em série é artesanato não enfoca os artistas que fazem dezenas de estátuas de barro para vender em suas barraquinhas de artesanato. Para mim são tão artistas quanto alguém que só faça uma, totalmente personalizada e que vá para um museu. Onde estão os nossos Warhols para confrontar este paradigma? Entretanto, este é um pensamento pessoal, embasado no fato de que os conceitos de arte variam e que as hegemonias não são visíveis onde predominam, mas apenas onde lançam suas sombras. O correto, segundo as convenções seguidas pelos artistas e arte-educadores é que há diferença entre arte e artesanato, embora seja visível também que existam vozes discordantes no próprio meio; Semper, Josef Hoffmann, Kolo Moser.

A arte é vista como, uma criação desprovida de utilitarismo, enquanto o artesanato por sua vez assume uma concepção utilitarista. Ou seja, o que distingue a arte do artesanato segundo este critério é a intenção do uso do objeto. Se faço uma escultura de São Sebastião para expressar meu sentimento é arte, se faço estátuas de barro de são Sebastião para atender a demanda católica é artesanato. Mas seguindo este raciocínio também deveria ser uma “arte menor” os quadros renascentistas feito sob encomenda. Estes quadros expressam o sentimento, um estado de espírito frente à realidade, diriam em sua defesa. Concordo, mas estas características também podem estar presentes na imagem de São Sebastião. Daí julgo que a única diferença plausível é a reprodução em escala. Meu quadro de uma serpente azul é arte, mas se o reproduzir em uma máquina de Xerox cem vezes e vender a R$ 0,20 a cópia não é arte, da mesma forma que se fosse possível reproduzir à mão, indefinidamente este quadro, nenhuma arte estaria ali. Da mesma forma, um bidê é arte para Warhol, mas para a indústria é apenas um acessório vendido para utilização em banheiros. Se fosse este bidê construído com as mãos de um artesão, seria artesanato? Se em série sim, mas simplesmente por ser de um artista das ruas não. Para me fazer compreender melhor deixo claro que segundo meu entendimento a diferença não deve ser feita etnograficamente, mas de acordo com a escala de reprodução. Um artesão não pode deixar de ser artista por ser um artista menor, e seu artesanato não pode ser considerado uma arte menor, é preciso valorizar estes artistas como tal, pois em escala de reprodução ou não, são artistas. Os fins de sua arte é que são outros e o debate toma outras proporções.

Este mesmo questionamento aparece hoje com a arte digital. Os computadores são o passo seguinte na etapa de industrialização da arte, pois através deles a escala que as reproduções adquirem se elevam às margens do infinito, mas vai também ao aspecto educacional. O ensino de desenho técnico na escola é um exemplo. Se o debate entre academicismo e indústria já é amplo, o fato de os desenhos (mesmo nos métodos copiativos) serem substituídos por desenhos geométricos sob a alegação de que são a base de toda a arte amplia esta questão. Aqui temos uma outra questão além da Arte e do Artesanato, o Design. A única função do design seria preparar para o trabalho, para a indústria e o processo padronizado de manufatura.

“A filosofia básica desse método de ensino não era alimentar o grande artista em potencial, mas fornecer uma educação para o olho e as mãos tais que possibilitassem o trabalhador comum dar conta de suas tarefas com maior exatidão e precisão” (Thistlewood, 1986: 39)

No âmbito educacional toda esta distinção entre Arte, Artesanato e Design serve como uma tentativa de se impor uma visão de que a arte é voltada aos “grandes” e o artesanato para os medíocres através de uma visão bastante etnocêntrica, onde se debate não o valor da arte em questão, mas o valor de seus criadores (exceto se utilizada para demonstrar o contrário). Nesta visão é mais fácil converter um hábil artesão de que não almeje ser artista, se contente apenas com o artesanato e alimente a indústria com ele. Do mesmo modo os estudantes devem se capacitar mas tendo em vista que seu futuro é com o desenho industrial e nunca o artístico.

Se não nos contentarmos com estas distinções e com este paradigma vamos ganhar, pois tanto o Design quanto o Artesanato poderão contribuir, no aspecto educacional, para o desenvolvimento de diferentes habilidades. Um professor que não aceite trabalhar tanto com o utilitário quanto com o mais abstrato sentimento artístico está se limitando e limitando seus alunos de uma visão mais completa das potencialidades da Arte.

Referências

OSINSKi, Dulce. O Ensino de Arte e a Indústria. In_Arte História e Ensino – Uma Trajetória. São Paulo: Cortez Editora. 2002. P. 44-56.

sábado, 17 de julho de 2010

Ponto de vista

Trabalho universitário da turma do segundo período do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Acre (UFAC)


Expectativas Negadas em Ato Sem Palavras I de Samuel Beckett

”A genialidade de Beckett consiste, entre outras coisas, em sua simplicidade quase literal. Tudo está no texto, mesmo quando o texto é sem palavras”
(Vanessa Frisso)

Ato sem palavras I de Samuel Beckett e com tradução de Marcus Mota, como indica o termo “Pantomima para um ator” é uma peça gestual, focada nos movimentos do ator e não em suas palavras, cenário, relação com outros atores, etc... É o ator, suas mãos, seus gestos e suas emoções em um monólogo corporal.

Por ser uma pantomima, acredito que para grande parte do público as expectativas já se iniciam negadas. O público comum é educado através da linguagem televisiva e cinematográfica, onde os sons servem de apoio às imagens, um cenário onde a frase “uma imagem vale mais que mil palavras” de Kunf Fu Tsé (Confúcio) não procede, seria mais correto neste campo afirmar que a imagem é o complemento das palavras. Desta forma, há esta quebra de expectativa logo no início, quando (e se) os espectadores esperam uma extensão da linguagem cinematográfica que influencia todos os campos da arte moderna. À palavra articulada (dimensão acústica de cenas) contrapõe-se, em comparação às expectativas de um espetáculo teatral de caráter convencional a presença das ações físicas de cena ao materializar elementos constitutivos do palco que dão entendimento corpóreo ao personagem-homem.

Durante Ato sem palavras I são negadas diversas vezes expectativas de se continuar de forma “lógica” os movimentos de tempo e das ações que ocorrem progressivamente de forma sustentada. “Ele se põe a pensar e depois vai saindo de onde havia entrado” A expectativa é que ele saia. Mas “De imediato ele é lançado de volta para o palco”. Há também uma situação dramática racional sendo construída, mas não de forma linear, e sim num texto não-linear com o personagem sendo caracterizado pela ausência de diálogos e pelo seu monólogo corporal.

Há em Ato sem palavras I com sua ação psicológica uma profunda relação com o existencialismo. “(...) Da obra e do dramaturgo em estudo, nos remete ao *teatro do absurdo. As personagens clamam por sua existência por isso, perpassam pela corrente também, do Existencialismo (Lúcio J. Lucena)” . O homem (corpo visível) pensa, pensa, pensa, mas não chega a nenhum resultado, há uma negação de expectativa aqui, afinal seria lógico que se chegasse a algum resultado. Mas ele termina como começou, pensando e de mãos vazias, parado e olhando para as mãos. Mas há uma expectativa negada também aqui, pois durante toda a peça o homem fica a pensar mas antes da cortina baixar “o homem não se move nada”. Não há certeza que ele esteja a pensar. Para quem lê o texto ficou no ar a expectativa não cumprida de que ele mais uma vez se colocasse a pensar.

“Deserto. Luz ofuscante.
Um homem é lançado para o palco, vindo da direita ao fundo.
Ele
cai, levanta-se de imediato, tira o pó de si,
coloca-se em paralelo e põe-se a
pensar

“Ele põe-se a pensar, vai em direção do canto esquerdo da cena,hesita, avalia mais,pára, coloca-se em paralelo e põe-se a pensar.”


“O homem não se move nada.
A árvore é puxada pra cima e desaparece.
Ele olha para suas mãos
Cortina.”

Há em cena o não-convencional, uma concepção cênica atemporal e em uma posição que remete a nenhum cenário em específico, um não-lugar no tempo e no espaço.


Referências:

BECKETT, Samuel, Act Without Words (1956), tradução Marcus Mota (2008), UAB-UNB

Acesso: 29-Jun-2010
< http://notasdator.blogspot.com> Acesso: 29-Jun-2010
Acesso: 29-Jun-2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

Idéias de Grotowski


Grotowski é uma referência muito grande para o teatro, pois ele utiliza em seus estudos a base de muitos outros estudiosos, principalmente Stanislávski. Mas ele bebe em outras fontes de igual importância, tais como Merheiold, os teatros orientais, como o Japonês e sobretudo o Chinês, com a Opera de Pequim.

À primeira vista, todo este ecletismo de Grotowski pode causar uma idéia errônea de que ele trabalha com retalhos, pequenas idéias de um e de outro. Afinal muita gente trabalha assim hoje, tanto no teatro quanto em outras áreas, quando alguém pega as idéias principais de grandes estudiosos (gênios me parece uma palavra preconceituosa e preguiçosa) e se apropria das principais, em um apanhado sem sentido e sem ligação coerente entre umas e outras. Mas basta uma pequena olhada mais aprofundada para verificar que Grotowski não se enquadra neste caso, pois sua pesquisa vai sim em busca do que outros fizeram, mas apenas como referência (quem não as têm?), como base de algo mais a fundo que ele irá tentar desenvolver ainda mais, e a partir daí com suas próprias idéias e resoluções distintas das de seus influenciadores. Sua teoria é a de que o ator é o centro do espetáculo. E que este deve ser construído não sobre a perspectiva do público, mas da do ator. Ele é também simplista, abdica de todos os exageros, sejam nos apetrechos, nas vestimentas, no cenário ou no figurino. Para Grotowski tudo isso é descartável, o essencial é aquilo que ele chamou de teatro pobre. Teatro Rico segundo ele é o teatro rico, em defeitos. O teatro que exagera em tudo quando se pode ser simples. Para quê máscaras e maquiagem quando é a expressão do ator o mais importante? Para que cenários pomposos se é preciso apenas um detalhe? Para que luzes fortes e piscantes se ele precisa de uma penumbra e do efeito que ela causará? Para quê uma sinfonia escondida do público quando os atores poderiam estar cantando um pequeno trecho de música com efeito mais imediato e diretamente ligado ao espetáculo? Vamos abandonar tudo que não é preciso e nos focar no mais importante, o ator, a emoção que vem dele e a capacidade de tornar seu corpo e sua alma aquilo que o palco precisa realmente.

Grotowski é muito simples de se entender, bem mais que seus companheiros de tablado e talvez por esta simplicidade me pareça o mais (até o momento) sábio. Utiliza o que é necessário, não importa a corrente, o rótulo, estilo ou filosofia teatral, mas não abre mão daquilo que na verdade importa, o ator e a relação entre este e o público. O ator não é o intermediário entre tudo? Se ele falha tudo mais falha, daí a minha convicção de que a base proposta por Grotowski seja mais válida, completa e sábia que de seus companheiros.

domingo, 4 de julho de 2010

O estranhamento em B.Brecht

Para Brecht o teatro e a forma de representação ocidental buscavam criar uma ilusão no espectador e o fato de o teatro tradicional chinês seguir justamente em sentido contrário foi o que o inspirou a teorizar o que chamou de estranhamento (ou o distanciamento), uma característica comum no teatro Chinês.

A principal questão acerca do estranhamento é que os atores não se refugiam na chamada “quarta parede”, criada justamente para dar vigor à idéia de ilusão que existe no teatro ocidental. No teatro Chinês o objetivo não é criar a ilusão de que os personagens são reais, “os atores chineses diferem de seus colegas ocidentais naquilo que é “obviamente reproduzido por um narrador (ZUOLIN Pág 02)”, que o ator não é exigido a “se transformar-se completamente em sua personagem”, nem “entrar num estado completo de transe”. São atores e não faz parte de seu intento “encarnar o personagem” como dizemos no ocidente. Para o teatro chinês isso não é necessário visto que os atores obedecem a uma forma diferente de lógica. Brecht “observa que a Ópera de Pequim exibe aquilo que ele chama o efeito de estranhamento, utilizando-o habilmente. Ele destaca que o palco do teatro chinês “não tem uma quarta parede”, o que o distinguia da tradição teatral européia da época, que buscava a ilusão da vida cotidiana” (ZUOLIN Pág 02).

Em “Pequeno Organon para o teatro” Brecht aponta uma importante característica para o estranhamento: a diversão. Pare ele o objetivo de toda apresentação é divertir. A diversão para Brecht é “a função mais nobre que atribuímos ao teatro” (BRECHT Pág127). Esta idéia ajuda a compreender o estranhamento na medida em que a diversão liberta a atuação teatral de algumas amarras tais como “compromisso com realidade”. Neste mesmo texto ele define a base de toda a teoria do estranhamento “em momento algum deve o ator transformar-se completamente na sua personagem”.

A peça de Brecth por exemplo, “Mãe Coragem e seus filhos”, é uma critica à guerra onde o tema recai sobre uma situação histórica e as conseqüências deste tema para a humanidade. Também critica a igreja "Não é uma guerra qualquer: é uma guerra muito especial, em que se luta pela defesa da fé. É uma guerra que Deus vê com agrado!". Mas o que chama atenção na peça é justamente o estranhamento presente na peça, "Brecht denuncia o sentido mercenário da guerra, a guerra como cotidiano. É o dinheiro que faz Coragem perder os filhos" (PEIXOTO, 1991, p. 192). Nesta peça Brecht usa o verbo na terceira pessoa e mantém o tom impessoal, épico, que nos leva a pensar sobre estas questões abordadas sem, no entanto, forçar as emoções, características que nos levam ao estranhamento.


Referências:

BRECHT, Bertold, Pequeno Órganon para o teatro
Brecht e a teoria do estranhamento
ZUOLIN, Huang, Um acréscimo ao texto de Brecht ““o efeito de estranhamento na interpretação do teatro chinês”
Notas D'Ator/educador© Acesso: 20-Jun-2010

sábado, 3 de julho de 2010

Meyerhold


A grande divergência entre a visão de Stanislávski e Meyerhold recai sobre a pomposidade do teatro naturalista e seus exageros “uma tradição de ‘grande espetáculo’, que oferecia ao público pagante um desfile de excessos – multidões, canhões, maquinário cênico, épocas passadas com todos apetrechos e quinquilharias (ROUBINE 1998:121)”, uma herança da “Gesamtkunstwerk”, idéia wagneriana do controle total sobre a produção, que buscava o controle total da audiovisualidade do espetáculo herdada por Stanislávski, ao qual Meyerhold se opôs tenazmente.

Enquanto Meyerhold buscava criar o que chamou de estados de alma “em cada um desses fenômenos artísticos, elementos que pudessem criar uma correspondência entre a teatralidade e as exigências ideológicas e psicológicas do texto (CHAVES, PÁG 31)”, Stanislávski era propenso ao naturalismo, queria expressar estes mesmos fenômenos artísticos através do máximo possível de detalhes, o que “era um desafio para o naturalismo e para Stanislavski”, . Esta questão foi tão forte que o próprio Meyerhold a deixava explícita nas trocas de correspondências com atores e diretores da época, como nesta carta à Dânthenko se referindo à Stanislávski.

“o diretor usa o mesmo método de direção que ele trabalhou anos atrás e que o tem guiado, quer seja uma peça de atmosfera e idéias, quer seja algo espetacular. Tenho que provar que isso está errado?”

Entretanto, nada disso significa que Meyerhold esteja certo e Stanislávski esteja errado, ou que existisse entre eles uma rivalidade cega. Meyerhold achava por exemplo que Stanislavski era excelente no papel de Levborg e chegou a citar sua natureza teatral de forma sublinhada em artigo. O que ocorreu na verdade foi que ambos foram visionários em diferentes perspectivas e ambos contribuíram para a evolução do teatro. Meyerhold tendo como base o trabalho de Stanislávski pode dar mais um passo e rever aquilo que funcionava ou não.

Referências:
CHAVES, Yeda, Meyerhold na contemporaneidade
Meyerhold: A materialidade do teatro
V.Meyerhold, O teatro naturalista e o teatro de estados de alma.
Stanislavsky: O encontro com Tchecov

A importância do espaço de atuação

O espaço de atuação é importantíssimo para o modo como se vê, estuda e pratica o teatro. Já não é possível crer que apenas um palco e um belo cenário, rico em detalhes, suntuoso e imponente. Claro que dependendo do que será apresentado sobre o palco é até cabível, mas não naquilo que se entende como usual.

Muitas vezes esta grandiosidade é mero exagero, criado propositalmente para esconder as falhas do plano geral. Desta forma, não se pode ignorar também o ator, como parte do cenário e da trama do espetáculo. Não basta ter um ator e um texto, há diversas nuances à sua volta. Uma emoção pode ser valorizada pelo cenário e principalmente pelo jogo de luz e sombra incidindo sobre o ator, como ensinou Appia, que inseriu “a primazia no uso artístico da luz na cena e na reflexão sobre as implicações desta conquista expressiva”.

Da mesma forma, a música, que nos influencia nas banalidades da vida, acaba tendo uma importância enorme no teatro. A música atinge diretamente o ponto chave de qualquer apresentação artística, a emoção. Imagine a emoção que Wagner causa só o ouvindo em duas caixinhas de som no computador, compare com a sensação de uma ópera onde a orquestra o brinda com uma massa sonora de uma cavalgada de Valquírias caindo sobre a platéia.

Esta emoção é ampliada por todos estes fatores mencionados, e a junção deles, se bem realizada leva o público à catarse e conhecer estas nuances artísticas e usos técnicos é o ideal a ser buscado. O artista deve ser como Appia:

A. Appia ficou sendo mais conhecido pelas aplicações técnicas de sua obra, relacionadas com a iluminação (luz móvel, focos precisos e

variáveis) e a tridimensionalidade da cena (espaço de atuação em relações concretas entre o corpo do ator e os objetos de cena ), padrões mínimos de encenação hoje largamente adotados. Mas seus escritos revelam um horizonte de questões que se tornaram fundamentais para pensar a

realização teatral”


Referências:


APPIA, Adolphe, Encenando com a Luz


DUDEQUE, Norton, O drama Wagneriano e o papel de Adolphe Appia em suas transformações cênicas