sábado, 17 de julho de 2010

Expectativas Negadas em Ato Sem Palavras I de Samuel Beckett

”A genialidade de Beckett consiste, entre outras coisas, em sua simplicidade quase literal. Tudo está no texto, mesmo quando o texto é sem palavras”
(Vanessa Frisso)

Ato sem palavras I de Samuel Beckett e com tradução de Marcus Mota, como indica o termo “Pantomima para um ator” é uma peça gestual, focada nos movimentos do ator e não em suas palavras, cenário, relação com outros atores, etc... É o ator, suas mãos, seus gestos e suas emoções em um monólogo corporal.

Por ser uma pantomima, acredito que para grande parte do público as expectativas já se iniciam negadas. O público comum é educado através da linguagem televisiva e cinematográfica, onde os sons servem de apoio às imagens, um cenário onde a frase “uma imagem vale mais que mil palavras” de Kunf Fu Tsé (Confúcio) não procede, seria mais correto neste campo afirmar que a imagem é o complemento das palavras. Desta forma, há esta quebra de expectativa logo no início, quando (e se) os espectadores esperam uma extensão da linguagem cinematográfica que influencia todos os campos da arte moderna. À palavra articulada (dimensão acústica de cenas) contrapõe-se, em comparação às expectativas de um espetáculo teatral de caráter convencional a presença das ações físicas de cena ao materializar elementos constitutivos do palco que dão entendimento corpóreo ao personagem-homem.

Durante Ato sem palavras I são negadas diversas vezes expectativas de se continuar de forma “lógica” os movimentos de tempo e das ações que ocorrem progressivamente de forma sustentada. “Ele se põe a pensar e depois vai saindo de onde havia entrado” A expectativa é que ele saia. Mas “De imediato ele é lançado de volta para o palco”. Há também uma situação dramática racional sendo construída, mas não de forma linear, e sim num texto não-linear com o personagem sendo caracterizado pela ausência de diálogos e pelo seu monólogo corporal.

Há em Ato sem palavras I com sua ação psicológica uma profunda relação com o existencialismo. “(...) Da obra e do dramaturgo em estudo, nos remete ao *teatro do absurdo. As personagens clamam por sua existência por isso, perpassam pela corrente também, do Existencialismo (Lúcio J. Lucena)” . O homem (corpo visível) pensa, pensa, pensa, mas não chega a nenhum resultado, há uma negação de expectativa aqui, afinal seria lógico que se chegasse a algum resultado. Mas ele termina como começou, pensando e de mãos vazias, parado e olhando para as mãos. Mas há uma expectativa negada também aqui, pois durante toda a peça o homem fica a pensar mas antes da cortina baixar “o homem não se move nada”. Não há certeza que ele esteja a pensar. Para quem lê o texto ficou no ar a expectativa não cumprida de que ele mais uma vez se colocasse a pensar.

“Deserto. Luz ofuscante.
Um homem é lançado para o palco, vindo da direita ao fundo.
Ele
cai, levanta-se de imediato, tira o pó de si,
coloca-se em paralelo e põe-se a
pensar

“Ele põe-se a pensar, vai em direção do canto esquerdo da cena,hesita, avalia mais,pára, coloca-se em paralelo e põe-se a pensar.”


“O homem não se move nada.
A árvore é puxada pra cima e desaparece.
Ele olha para suas mãos
Cortina.”

Há em cena o não-convencional, uma concepção cênica atemporal e em uma posição que remete a nenhum cenário em específico, um não-lugar no tempo e no espaço.


Referências:

BECKETT, Samuel, Act Without Words (1956), tradução Marcus Mota (2008), UAB-UNB

Acesso: 29-Jun-2010
< http://notasdator.blogspot.com> Acesso: 29-Jun-2010
Acesso: 29-Jun-2010

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