domingo, 18 de julho de 2010

Arte, Artesanato e Design

O período da industrialização foi marcado por uma ruptura artística entre o romantismo e o academicismo. O romantismo fazia prevalecer qualidades baseadas no sentimento, na emotividade, na personalização da obra através do trabalho artístico, indo contra os métodos acadêmicos, que pareciam privilegiar mais a reprodução que a criação artística. Esta discussão se estendeu mais com a industrialização, pois se antes a Arte não podia ser reproduzida em grande escala, após o advento das máquinas e das possibilidades de se reproduzir as obras artísticas em série, foi necessário levantar-se novos questionamentos sobre o que era arte e o que era mero produto.

Não acredito na distinção que se faz entre arte e artesanato. Esta distinção se baseia numa premissa maniqueísta de que ou há artistas ou não há. Como se todos os artesãos houvessem sido engolidos pela indústria e hoje toda arte em série seria artesanato, uma arte menor à qual não há nenhum aspecto superior. Esta afirmação de que toda arte reproduzida em série é artesanato não enfoca os artistas que fazem dezenas de estátuas de barro para vender em suas barraquinhas de artesanato. Para mim são tão artistas quanto alguém que só faça uma, totalmente personalizada e que vá para um museu. Onde estão os nossos Warhols para confrontar este paradigma? Entretanto, este é um pensamento pessoal, embasado no fato de que os conceitos de arte variam e que as hegemonias não são visíveis onde predominam, mas apenas onde lançam suas sombras. O correto, segundo as convenções seguidas pelos artistas e arte-educadores é que há diferença entre arte e artesanato, embora seja visível também que existam vozes discordantes no próprio meio; Semper, Josef Hoffmann, Kolo Moser.

A arte é vista como, uma criação desprovida de utilitarismo, enquanto o artesanato por sua vez assume uma concepção utilitarista. Ou seja, o que distingue a arte do artesanato segundo este critério é a intenção do uso do objeto. Se faço uma escultura de São Sebastião para expressar meu sentimento é arte, se faço estátuas de barro de são Sebastião para atender a demanda católica é artesanato. Mas seguindo este raciocínio também deveria ser uma “arte menor” os quadros renascentistas feito sob encomenda. Estes quadros expressam o sentimento, um estado de espírito frente à realidade, diriam em sua defesa. Concordo, mas estas características também podem estar presentes na imagem de São Sebastião. Daí julgo que a única diferença plausível é a reprodução em escala. Meu quadro de uma serpente azul é arte, mas se o reproduzir em uma máquina de Xerox cem vezes e vender a R$ 0,20 a cópia não é arte, da mesma forma que se fosse possível reproduzir à mão, indefinidamente este quadro, nenhuma arte estaria ali. Da mesma forma, um bidê é arte para Warhol, mas para a indústria é apenas um acessório vendido para utilização em banheiros. Se fosse este bidê construído com as mãos de um artesão, seria artesanato? Se em série sim, mas simplesmente por ser de um artista das ruas não. Para me fazer compreender melhor deixo claro que segundo meu entendimento a diferença não deve ser feita etnograficamente, mas de acordo com a escala de reprodução. Um artesão não pode deixar de ser artista por ser um artista menor, e seu artesanato não pode ser considerado uma arte menor, é preciso valorizar estes artistas como tal, pois em escala de reprodução ou não, são artistas. Os fins de sua arte é que são outros e o debate toma outras proporções.

Este mesmo questionamento aparece hoje com a arte digital. Os computadores são o passo seguinte na etapa de industrialização da arte, pois através deles a escala que as reproduções adquirem se elevam às margens do infinito, mas vai também ao aspecto educacional. O ensino de desenho técnico na escola é um exemplo. Se o debate entre academicismo e indústria já é amplo, o fato de os desenhos (mesmo nos métodos copiativos) serem substituídos por desenhos geométricos sob a alegação de que são a base de toda a arte amplia esta questão. Aqui temos uma outra questão além da Arte e do Artesanato, o Design. A única função do design seria preparar para o trabalho, para a indústria e o processo padronizado de manufatura.

“A filosofia básica desse método de ensino não era alimentar o grande artista em potencial, mas fornecer uma educação para o olho e as mãos tais que possibilitassem o trabalhador comum dar conta de suas tarefas com maior exatidão e precisão” (Thistlewood, 1986: 39)

No âmbito educacional toda esta distinção entre Arte, Artesanato e Design serve como uma tentativa de se impor uma visão de que a arte é voltada aos “grandes” e o artesanato para os medíocres através de uma visão bastante etnocêntrica, onde se debate não o valor da arte em questão, mas o valor de seus criadores (exceto se utilizada para demonstrar o contrário). Nesta visão é mais fácil converter um hábil artesão de que não almeje ser artista, se contente apenas com o artesanato e alimente a indústria com ele. Do mesmo modo os estudantes devem se capacitar mas tendo em vista que seu futuro é com o desenho industrial e nunca o artístico.

Se não nos contentarmos com estas distinções e com este paradigma vamos ganhar, pois tanto o Design quanto o Artesanato poderão contribuir, no aspecto educacional, para o desenvolvimento de diferentes habilidades. Um professor que não aceite trabalhar tanto com o utilitário quanto com o mais abstrato sentimento artístico está se limitando e limitando seus alunos de uma visão mais completa das potencialidades da Arte.

Referências

OSINSKi, Dulce. O Ensino de Arte e a Indústria. In_Arte História e Ensino – Uma Trajetória. São Paulo: Cortez Editora. 2002. P. 44-56.

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