sábado, 12 de dezembro de 2009

Versalhes, Parsifal, Brillo Boxes e Los Porongas: semelhanças e diferenças

No capítulo II, do livro Teoria da Arte de Cynthia Freeland, com tradução para o português de Beatriz Magalhães Castro, encontra-se uma análise de três grandes questões. Os jardins de Versalhes, a obra Parsifal, do compositor erudito Wagner e a obra Brilhol do artista POP Andy Warhol. À primeira vista, os três pouco possuem em comum, tanto entre si, quanto com a banda acreana Los Porongas, mas é preciso entender um pouco das semelhanças e diferenças entre cada uma destas manifestações artísticas.
Para Kant “a arte não pode dizer-se bela a não ser quando estamos conscientes de que se trata de arte ao mesmo tempo que ela nos aparece, todavia, enquanto natureza”, qual exemplo melhor desta ligação que os jardins de Versalhes? Para a execução dos projetos destes jardins, é necessário ordem, controle racional das formas, entretanto, uma parte deles permanece imprevisível, a parte natural. Assim, os jardins tornam-se um privilégio artístico, capaz de combinar a beleza natural e a beleza artística.

“(...) nunca nenhuma delas poderá estar ausente. Um jardim sem componente natural será uma escultura, e sem a componente humana será natureza virgem (CEAP)”.

Os jardins de Versalhes buscam sua inspiração na arte clássica de um passado distante. O Los Porongas, busca suas raízes musicais em um passado menos distante, no entanto, não menos clássico em seu próprio contexto. Segundo o Freeland “As alusões ao classicismo em exibição por toda a parte em Versalhes exigiriam um público educado para apreciá-las (pág13)”. Do mesmo modo, para se compreender o quadro Guernica, de Picasso em sua totalidade é necessário se conhecer o contexto no qual a obra foi realizada e o que vem a ser o cubismo. Assim, a compreensão da arte do Los Porongas exige determinado grau de educação sobre o cenário musical independente, sobre música e sobre a cultura acreana, é preciso conhecer o que se chama de cenário independente, onde reside a banda Los Porongas, um cenário musical onde o principal é não o sucesso comercial, mas o próprio ato de se fazer arte de forma autoral, sem a preocupação de se copiar e tocar os hits do momento e sem a necessidade de grandes produtoras ou gravadoras ditando as regras de como se fazer música, na maioria das vezes estirpando a arte do artista em detrimento do retorno financeiro.
Como a banda explora falas e fatos típicos da cultura acreana, com um pouco de conhecimento da cultura onde a banda nasceu pode-se degustar as letras e as músicas com mais aprofundamento, caso contrário, pode ser considerado exótico, mas não arte, pois para o senso comum a arte deve seguir padrões que agradem a maioria e não atuar regionalmente. Para este pensamento, uma banda autoral, desvinculada do sucesso comercial de grandes gravadoras e que explora uma cultura inexplorada nos grandes centros urbanos, é apenas exótica. Mas o Los Porongas faz mais que isso, e por isso ela se torna imprevisível. Em termos kantianos aplica em sua música uma reconciliação entre a natureza e o espírito.

“o seu funcionamento intrínseco terá sempre uma parte que nos é alheia e que faz com que o futuro da obra seja incerto em alguma medida; esta incerteza potencia o chamado caos determinístico que consiste na diferença entre o plano e a realidade planeada (Magalhães, 2001).”

Wagner “atuou eloquentemente a parte do gênio Romântico com a sua vida de amor tumultuosa, admiradores fanáticos, fugas de escândalos e dívidas, e fama internacional (Freeland)”, se assemelha ao cenário artístico ao qual o Los Porongas está inserido, comumente associado aos excessos, fãs fiéis e a busca pela fama. É claro que nem todo este caminho será percorrido pelo Los Porongas, mas ele está a sua volta assim como esteve à volta de Wagner. Mas não é apenas este cenário aproxima Wagner do Los Porongas. Wagner apresentava um tipo de arte no qual ele não só controlava características musicais mas também o libreto, encenação, figurino, e cenários, atitude parecida com a que encontramos no trabalho de bandas independentes como o Los Porongas. São responsáveis não apenas pela sua música, mas pelas suas apresentações, letras, cenários e atitudes, tudo o que compõe sua própria “Gesamtkunstwerk”.
Nietzsche rejeitou a mensagem de Parsifal por ser, para ele demasiadamente ‘Cristã’, fugindo daquilo que ele celebrava em Wagner, o culto às raízes alemãs. O Los Porongas corre o mesmo risco de Wagner, pois ao abordarem tão intensamente suas raízes, sua arte pode ficar vinculada à este padrão, e se inadvertidamente, mudar seu enfoque, os Nietzsches modernos se apressarão a chamá-los de vendidos. Entretanto, assim como com relação à Wagner, é preciso compreender que para muitas pessoas, preocupações estéticas e morais conflitam criando um dilema na avaliação.

“Para Nietszche cada artista expressa a sua verdade na sua obra. Mas mais importante ainda, Nietzsche inicia o processo da individualização contemporânea. Na Antiguidade a arte era objetiva, na Modernidade era subjetiva e na Contemporaneidade individualista (CEAP).

Desta forma, podemos concluir que este processo iniciado por Nietzche culminou com o ultra-individualismo, que anos depois atribuiria à originalidade o lugar mais importante do juízo estético, o que abriu caminho para as vanguardas do início do século XX e artistas como Andy Warhol, numa estrutura fragmentada que descodifica e recodifica as imagens que rodeiam a nossa vida de todos os dias (Almeida, 2002).

“A alegoria é a forma encontrada, a fragmentação, as instalações com uso de espaços arruinados, a recusa do retorno às normas estilísticas e a tentativa de encontrar novas categorias conceptuais num confronto directo com a totalidade simbólica modernista. Este confronto foi primeiramente experimentado pela Pop Art, na qual Warhol tem um papel preponderante (Foster, 1996).”

Warhol chamou atenção por trabalhar com produtos inseridos no cotidiano, no ambiente ao nosso redor, como ficou evidente em suas Brillo Box. Assim também é o Los Porongas. Utilizam-se de idéias simples e conceitos usuais, mas que na maioria das vezes não se percebe arte, como o ato de subir o rio numa voadeira (espécie de lancha). Mas quando musicalizado, este cotidiano se transforma em arte, não pelo simples fato de se transformar letra em música, mas como Warhol, por transformar o cotidiano que está na nossa cara em arte, e o simples passeio passa a ser “A proa quando apruma voa”, arte em verso, rima e música. Também em sintonia com Warhol, há a ligação com a cultura popular, a política e a moda, ainda que esta seja para efeito, uma tentativa de afastamento do tema.

“Porque era uma obra de arte quando os objetos que se assemelham exatamente a ele, pelo menos sob critérios perceptuais, são meras coisas, ou, no melhor dos casos, meros artefatos? (...) De fato, as caixas de Warhol seriam muito bons pedaços de carpintaria. (Danto)”

O Los Porongas, se assemelham exatamente a outras bandas, de fato, a música do Los Porongas seriam muito boas notas musicais. O que os torna então, mais que isso? O que torna a simples junção de notas musicais arte? Danto afirma que as Brillo Boxes não foram imediatamente aceitas pelo “mundo da arte”, e possivelmente ainda não seja pela maioria das pessoas. O Los Porongas passa pelo mesmo processo, por fugir do senso comum e ao mesmo tempo do senso modal e do elitizado do que é arte, não é aceita de imediato. Tem seu séquito de fãs, mas as grandes rádios e “majors” ainda não conseguem vê-los como mais que uma banda igual as outras, uma caixa de Brillo exatamente como outras. Mas aqui, vale lembrar o conceito de arte dado por Danto, e que se aplica tanto às Brillo Boxes quanto ao Los Porongas “Nada é uma obra de arte sem uma interpretação que a constitui como tal”. Para entender o Los Porongas como arte, devemos compreender seu contexto social e cultural, como uma banda de rock, acreana, autoral, independente e aculturada. Warhol e Los Porongas poderiam não ter sido considerados como arte na Grécia antiga, na Chartres medieval, ou na Alemanha do século XIX, mas se qualquer coisa pode ser uma obra de arte numa determinada situação e de uma teoria certa, como propõe Warhol, o mesmo se aplica aos Los Porongas.

Referências:

Freeland, Cynthia, Teoria da Arte, Tradução de Beatriz Magalhães Castro, UNB
CEAP, Centro de Estudos de Arquitectura Paisagista, Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (autor desconhecido).
<http://www.isa.utl.pt/ceap/index_files/tfclima.pdf > Acesso: 11/12/2009

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