terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Los Porongas: arte, hibridismo e mercados

Segundo o português Paulo Barroso, “A obra de arte não se produz isoladamente e para compreendê-la é preciso estudá-la objetivamente no contexto histórico em que se realizou. Porque quer a obra quer o artista são produtos sociais.” Isso significa que tanto os artistas quanto seu público, o Estado, críticos e patrocinadores (modernos mecenas?), o que podemos constituir como o mercado ,se influenciam. Conseqüentemente, segundo ele, o gosto ou os cânones dominantes de uma determinada sociedade e época tendem a condicionar novas formas de expressão. O Los Porongas, como arte, não são exceção à regra, e influenciam tanto quanto são influenciados pelo mercado.

Assim como ocorre nas galerias de Arte com seus curadores e agentes de artistas que intermediam e influenciam a forma pela qual o público vê as obras expostas, no meio musical independente (embora o quadro se acentue nas “majors”, as grandes gravadoras) também existem intermediários entre o público e o artista capazes de alterar e influenciar a arte que representam. Uma das ações mais evidentes do Los Porongas como parte deste mercado musical ao qual está inserido se dá com sua saída do selo que lançou seu primeiro CD. A banda, segundo declaração on-line da gravadora independente haveria traído “princípios que norteiam o circuito independente por ter aceitado trabalhar com uma grande produtora”. Segundo Barroso “Com freqüência, líderes de opinião condicionam a receptividade pública de obras por veicularem juízos estéticos e críticos. A moda ou seguidismo do público são proporcionados pela emissão, por parte dos críticos, de juízos estéticos sobre as obras”. Para Diogo Soares, não há contradição em trabalhar com uma produtora que venda seus shows e articule a carreira da banda em parceria com o Los Porongas. Segundo ele “Músicos também precisam pagar as contas. Não há desonestidade em viver da música que se aprendeu a fazer”. O fato é que temos neste contexto a ruptura de um paradigma, onde se pode fazer um paralelo com a obra de Edouard Manet (1832-1883), pintor que é considerado precursor da pintura moderna, mas que em vivo foi execrado pelos críticos. Independentemente da qualidade artística, a maior parte das obras de Manet rejeitadas no século XIX encontram-se hoje nos museus mais importantes espalhados pelo mundo (cf. FURIÓ, 2000: 31). Neste paralelo, não se evoca a rejeição inicial para posterior endeusamento, como ocorreu com Manet, pois em suas devidas proporções o Los Porongas têm sido bem aceito em seu próprio meio. Mas evidencia-se, entretanto, a mudança do grau de apreciação da obra do Los Porongas devido justaposição de idéias e valores dentro do mercado ao qual estão inseridos. “As obras são as mesmas. O que mudou foi a apreciação da sua qualidade, os juízos de valor dependentes das idéias, interesses e gostos historicamente variáveis das pessoas que os formulam e que são condicionados pela sociedade e pela cultura de uma determinada época (Barroso, Pág-85).”

Esta localização geográfica e cultural é outro fator que influencia de várias formas o artista, sua obra e o mercado artístico. O próprio Los Porongas, é inevitavelmente lembrado por ser uma banda acreana, embora seja evidente que há diversas outras características mais universais na banda, o que às vezes faz com que estes aspectos não regionais sejam lembrados pelos póprios músicos:

“eu não conseguia identificar na nossa música muitas coisas que identificassem como uma música feita no Acre. Alguma coisa aqui e acolá, nas letras principalmente. Algumas falam sobre temáticas, por exemplo, ‘Ao Cruzeiro’ que é uma música que fala sobre o Santo Daime, então claro, tem uma relação com o Acre (Diogo Soares).”

“Acho que o que faz as pessoas acharem que tem uma coisa de Acre, uma coisa regional, tem haver com a letra das músicas. Algumas expressões, algumas palavras. Tipo, em ‘Enquanto uns dormem’, quando ele fala que faz escultura a luz do lampião, ou então em ‘Ao Cruzeiro’, quando o Diogo canta "a proa quando apruma avoa", são expressões que quando você fala lá em São Paulo, ninguém vai nem entender o que é. E aí acho que no inconsciente puxa essa coisa do Acre, uma coisa regional (Jorge Anzol)”.

Segundo Barroso “O homem, como ser cultural, é o resultado de uma construção sócio-cultural. Por isso, é um “artefato” cultural, na medida em que a cultura lhe serviu como padrão de conduta para agir, pensar, sentir, comunicar, relacionar-se com os outros, etc. Neste sentido, a dimensão simbólica das práticas artísticas e dos rituais sociais são o resultado da dita construção sócio-cultural.” Nisto, podemos inserir o Los Porongas como produto de seu meio, entretanto, sujeito às influências exteriores, que agora, com a banda em São Paulo, este padrão se altera, e as influências exteriores acentuam-se.

“Nós somos outras pessoas agora. Essa ida para São Paulo fez com que a gente mudasse interiormente. E quando você muda, sua música muda naturalmente. O lance do espaço onde você vive, a vida do artista é essa, do poeta, do músico, do escritor, é traduzir a realidade dele. Então assim, a gente está em outra realidade, viver em São Paulo está influenciando a nossa forma de compor. (Diogo Soares).”

“Musicalmente falando, é uma leitura que a gente faz se utilizando de linguagens universais, se utilizando da linguagem do roque, que é a mesma linguagem que o cara do Rio, de São Paulo de Nova Iorque, Londres está se utilizando também. A gente foi tocar em Uberlândia, aí teve um cara, um músico que chegou pra mim e falou assim "cara eu percebi uma coisa de tambores, um negócio indígena, muito forte". E eu falei "cara sinto te decepcionar, mas esses tambores que você ouviu aí, tem muito mais haver com Legião Urbana ou com a levada de soldados que é feita nos tambores do que com qualquer ritual indígena". Eu me sinto mais influenciado pelo roque, pelo Legião Urbana, pelo roque de Brasília, pelas bandas inglesas, do que um ritual indígena (Jorge Anzol)”

Para o tipo de arte que o Los Porongas cria hoje, a tecnologia parece estar causando um impacto maior que os tradicionais intermediários, que há duas décadas detinham o poder de construir e destruir carreiras com uma simples assinatura, resenha em revista especializada ou indicação, sendo capazes de mudar o gosto e o comportamento de grande parcela do público. Neste novo mercado, os downloads legais ou ilegais estão tirando o poder das mãos dos intermediários, mudando a forma como esta arte é consumida e revolucionando o cenário musical, seja underground ou mainstream. Para Diogo Soares “o trabalho artístico está sendo divulgado e, o artista quando faz uma música é para que ela seja ouvida, apreciada, como deve ser toda verdadeira obra de arte. Nesse sentido a comunidade estabelece um elo direto entre o artista e o público ouvinte, corroborando a revolução de mercado que não exige mais que um artista necessite de um "atravessador" para levar suas músicas ao grande público”. De acordo com Read, “ninguém negará as profundas inter-relações entre o artista e a comunidade. O artista depende da comunidade – vai buscar o seu tom, o seu ritmo, a sua intensidade à sociedade de que é membro” (READ, 1968: 175). E as inovações tecnológicas, á medida em que aproximam cada vez mais os artistas de seu público, remodelam as regras do mercado, influindo diretamente na pirâmide mercadológica, colocando no topo a obra, o artista e o público, vindo só no meio e na base os críticos, os espaços de apresentação, os patrocinadores e todos os outros que influenciam direta e indiretamente este mercado. Com esta mudança do status quo, o artista muda sua forma de ver e de fazer arte e o público também. No processo de construção da realidade social, acordada, pública e partilhada, influi também a construção do Eu, fruto de percepções de dados do exterior para o interior (da cultura para a mente) e expressão de estados do interior para o exterior (da mente para a cultura) (BRUNER, 2000: 108).

O fato de acreditarmos desde o começo na música como expressão do que sentimos e não como mera cópia do que ouvimos ou nos obrigam a ver e ouvir. Isso nos forçou, intuitivamente, a criar uma linguagem diferente, matizada numa música que traz o Acre implícito em letras, levadas e melodias mas que se enquadra perfeitamente em outras paisagens. Essa construção estética tem criado um bom público porque orgulha os acreanos e desperta o interesse de quem é de fora, por conta, também, das multireferências que estão encravadas na nossa música. (Diogo Soares)

Referências:

BARROSO, Paulo. Arte e sociedade: comunicação como processo. Atas dos ateliers do Vº Congresso Português de Sociologia

HighPop <http://www.highpop.com.br/2009/01/entrevista-diego-soares-los-porongas.html > Acesso: 06/12/2009

Drop Music <http://www.dropmusic.com.br/index.php/entrevistas/2085-los-porongas-julho2009 > Acesso: 06/12/2009

ZÍLIO, Andréa, Los Porongas: iluminando a selva de concreto, Página 20, Acre, 2007 <http://www2.uol.com.br/pagina20/29042007/entrevista.htm> Acesso: 06/12/2009

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