segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Espaço Ritual: Santo Daime


Escolhi como objeto de estudo a igreja constituída Santo Daime, em Rio Branco, Acre. Uma igreja de proporções medianas, toda pintada de branco, em um local bastante afastado do centro, como se buscasse um refúgio seguro para a prática de uma fé perseguida, como o fizeram também os primeiros cristãos, protestantes ou de todo culto distante da religiosidade oficial da cultura à qual está inserida. Muitas árvores em um grande terreno, córregos e flores deixam o cenário condizente com uma religião tão ligada à floresta e aos povos indígenas. Neste cenário, o único objeto que parece identificar a igreja como tal é a cruz que se encontra na sua fachada. Não é a cruz cristã, mas o Cruzeiro, também chamado de Cruz de Caravaca, um dos símbolos mais importantes do Daime, que significa tanto uma alusão ao retorno de Jesus Cristo quanto o trabalho de cada discípulo numa sobreposição dos braços da cruz. Entretanto, existem ainda outras interpretações.


O espaço interno é amplo, mas dividido, pois além do espaço ritualístico, onde é realizado o culto propriamente dito, há também outros espaços, como os dormitórios (para participar do culto é preciso estar “espiritualmente preparado”, ou seja, cumprir determinadas regras, como não usar drogas, beber ou fazer sexo no mínimo por três dias anteriores ao ritual). Há também outro importante espaço, que é onde se realiza a produção do chá de Daime, ou a Ahyauasca, uma bebida feita a partir do cipó jagube (banesteriopsis caapi) e da folha chacrona (psicotrya viridis), também conhecida como rainha, que lembra muito um pé de café. Este preparo é chamado Feitio. O processo é todo manual, e mais que isto, todo o processo segue fielmente um ritual próprio. Somente homens tocam nos cipós, enquanto que as folhas só podem ser colhidas pelas mulheres. O preparo da mistura (ou carga) é feito enquanto se recita os hinos do Daime, e obedecendo ao ritmo das batidas sincronizadas consegue-se uma espécie de transe, ou concentração profunda que une os preparadores em uma só canção ritual que assim como o culto posterior, pode ser enquadrado na Teoria da Arte de Cyntia Freeland “(...)um grupo de pessoas guiadas por certos objetivos e possa produzir valor simbólico através do uso de cerimônias, gestos, e artefatos. Rituais de muitas religiões no mundo envolvem ricas cores, padrões, e esplendor.” Ou, como a autora continua em seu raciocínio, “Para os participantes num ritual, clareza e convenção do propósito é central; o ritual reforça a relação formal da comunidade com Deus ou a natureza através de gestos que todo o mundo sabe e entende”, fatores estes existentes em toda a ritualização do Daime.


Segundo a crença daimista, o efeito do chá não é alucinógeno, mas sim de propriedades enteógenas, ou seja, ele abriria as portas da percepção (como diria Huxlei) para o descarrego daquilo que “entope” a alma, que só serve para nos prejudicar. Este descarrego é como uma limpeza, purificação da alma em uma experiência direta com o divino. Há porém, o efeito colateral, por muitas vezes, o fiel é cometido por uma crise de vômito, diarréia ou fortes dores, é a chamada “surra”, que segundo os fiéis acomete aquele que está despreparado espiritualmente.
No espaço de culto, muitas imagens de santos são incorporadas ao daime, mostrando a forte influência cristã sobre este ritual ancestral, praticado inicialmente por índios Incas que viviam entre as fronteiras do Perú e Brasil. O Daime como religião, foi iniciado nos anos 20 e 30, com o mestre Raimundo Irineu Serra, “ele recebeu essa Doutrina através de uma aparição de Nossa Senhora da Conceição,em uma das primeiras vezes que tomou a bebida, na região de Basiléia, Acre (Cefluris, 2000).” No mesmo espaço, pode-se encontrar outros objetos, como a estrela de Salomão, de onde se origina o formato hexagonal das igrejas do Daime. Essa estrela também ornamenta a farda dos daimistas, sendo colocada sobre o peito, de forma a indicar a iniciação na doutrina. A farda pode ser branca, para os rituais, ou azul para outros trabalhos. Nas mulheres, uma faixa verde perpassa os ombros lateralmente, e do ombro esquerdo parte uma série de fitas coloridas e uma coroa completando o traje, lembrando em muito as roupas das prossições nordestinas. Há ainda na mesa no centro da igreja, imagens de Jesus e de Nossa Senhora, os chefes da doutrina. Pode-se ver ainda muitos cristais, velas e o Rosário, sobre a cruz de Caravaca, lembrando mais uma vez a influência católica, que é confirmada pelas rezas. Sendo um culto musical, o Maracá é um objeto indispensável ao ritual através do ritmo das mãos masculinas e do vai e vem do bailado, estabelecendo um padrão ou freqüência mântrica para a transformação do estado de consciência e do mundo interior do xamã.


O culto já foi muitas vezes perseguido, e ainda hoje é visto com desconfiança, mas hoje, o culto é considerado legal. O CONFEN (Conselho Federal de Entorpecentes) declarou em 1987 que "os rituais religiosos realizados com a bebida sacramental Santo Daime não traziam prejuízos à vida social e sim, contribuíam para a sua maior integração, sendo notório os benefícios testemunhados pelos membros dos grupos religiosos usuários". E com relação ao chá que é ingerido pelos fiéis, e que por muitos é considerado apenas uma droga alucinógena, para o CONFEN "o SantoDaime não apresenta características do abuso de drogas, pelo seu uso ritualístico, descontínuo e ausência de alterações comportamentais."

referências:

FREELAND, Cynthia, Teoria da Arte, tradução, CASTRO, Beatriz Magalhães, UNB.
Internet:
TV Aldeia, Pronto Socorro da Cura < http://www.youtube.com/watch?v=V2hWKp-ebv0 > Acesso: 07/11/2009
Céu de Maria < http://www.ceudemaria.org/ > Acesso 07/11/2009
A Doutrina da Floresta < http://www.santodaime.org/ > Acesso: 07/11/2009
Mestre Irineu < http://www.mestreirineu.org/ > Acesso: 07/11/2009
Músicas: <http://www.tiosam.net/mp3.asp?q=Santo+Daime> Acesso: 07/11/2009
Foto:
Mestre Irineu - Santo Daime - CICLUMIG < http://www.mestreirineu.org/ >

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