Escrito por Fábio Carvalho*
Moradores anseiam por melhores condições de vida e respeito a seus direitos básicos
Moradores anseiam por melhores condições de vida e respeito a seus direitos básicos
Moradores são prejudicados pela indefinição na regularização do bairro |
O
Caladinho tem pouco mais de cinco anos de existência, mas nesta curta
trajetória, muitos percalços vêm delineando sua história. O próprio
nascimento do bairro está ligado a uma questão polêmica, pois nasceu de
uma invasão, e, até hoje a situação é indefinida. Assim, a maioria da
população sobrevive em condições precárias, muitas vezes dependendo da
ajuda de outras pessoas para conseguirem um mínimo da dignidade
garantida por lei.
As
principais reclamações dos moradores são com relação à segurança, “A
gente até dá uma força para ajudar, pois a necessidade é grande”, diz o
Sr Antônio da Conceição, morador do bairro há seis meses. A luz também é
apontada como um dos problemas da região “Quando a gente sai de casa
tem de desligar tudo da tomada por que senão queima, a energia vem muito
forte”, diz um dos mais antigos moradores do bairro, conhecido por
Zezão, que teve sua casa incendiada devido a um curto circuito. De
acordo com o Departamento de Medição e Fiscalização da Eletrobrás, parte
do bairro se regularizou após os protestos causados pelo corte geral de
energia, em maio de 2010, mas ainda é alta incidência de ligações
clandestinas.
Sr. Antônio reclama da falta de infra-estrutura do bairro, mas reconhece que a irregularidade dificulta as resoluções |
Os
moradores explicam que para estudar é preciso se dirigir aos bairros
mais próximos, como Tancredo Neves, o que dificulta o acesso a este
direito básico, principalmente para quem estuda à noite, “A própria
família da gente corre risco, na saída do bairro, da aula, pois a
marginalização é grande“, diz o Sr.Antônio. Em Julho deste ano, alguns
professores da Escola Pedro Martinello (EJA) foram ao bairro para
verificar “in loco” as razões da alta incidência de desistências de
alunos da região, o professor Hildebrando Bichara diz em seu blog
que encontrou uma comunidade esquecida por nossos representantes,
“Durante a visita vi a falta de saneamento básico, falta de ruas
pavimentadas, redes de esgoto, calçadas, rede elétrica entre outros, daí
percebi, que o principal motivo, dentre outros, que afastam os alunos
de realizarem os seus sonhos, talvez seja os perigos que o bairro
oferece, pois à noite tudo é escuro, e na volta para casa ficam expostos
a todos os tipos de riscos, assim é melhor desistir dos estudos e
preservar a vida’’.
Mas os
moradores reconhecem que enquanto a situação legal do bairro não se
define, é difícil resolver todos os problemas, pois alguns direitos
estão diretamente ligados à legalidade, “a gente não pode nem citar
muito por que não passa ainda de uma invasão”, diz Sr.Antônio. Além
disso, a visão de que o Caladinho é uma região perigosa só prejudica os
trabalhadores do bairro, que acabam pagando pelos poucos que cometem
atos ilícitos. Um exemplo desta contradição é a recente suspensão das
linhas de ônibus satélite no bairro devido a atos de vandalismo,
situação que exclui parte desta mesma população ao transporte coletivo.
O RBTRANS divulgou que a decisão foi tomada pelos próprios moradores,
em Assembléia, e que desta forma a linha circular voltará a atender o
bairro e será aumentado o número de ônibus atendendo a região.
Embora a
resolução dos problemas do Caladinho ainda estejam longe de acontecer,
aos poucos ações sociais vão sendo construídas para, aos poucos se
delinear o caminho da cidadania, e esta realidade vai dando sinais de
transformação. Uma das medidas tomadas para atender as necessidades
locais foi tomada no início de 2011, quando o Governador Tião Viana
solicitou que o Programa de Formação e Fomento aos Pequenos Negócios, da
Secretaria de Secretaria de Estado de Pequenos Negócios (SEPN)
priorizasse o Caladinho e os bairros vizinhos, viabilizando a realização
de cursos técnicos profissionalizantes para os moradores. De acordo com
Gilson Silva, técnico do Instituto Dom Moacir, parceiro da SEPN para a
realização dos cursos, este é um projeto que continua ativo, “já
formamos várias turmas e dispomos de cursos diferentes, como Corte e
Costura, Manicure, Mecânico de Motos, Pintura, etc”. Ele explica que os
cursos possuem em média 100hs, e alguns, como o de corte e costura,
recebem 20hs adicionais, enfocando o Empreendedorismo, “um dos objetivos
é resgatar a auto-motivação dos moradores, proporcionando autonomia”,
explica.
Fogo e reconstrução
Confira no vídeo alguns trechos da entrevista |
Entre
tantas histórias comoventes em um bairro como o Caladinho, uma chega a
arrepiar, é a história de Sr.José, que após anos de batalha por um teto,
viu seu sonho virar fumaça após um incêndio. “A minha esposa havia
saído para resolver um problema do bolsa família, que estava bloqueado, e
eu estava trabalhando”, começa a contar emocionado, “quando estava
almoçando meu cunhado ligou e disse que minha casa estava pegando fogo”.
Agradecido, não perde tempo com lamúrias, “Graças a Deus meus filhos
estavam comigo. Ficaram com a roupa do corpo, mas só perdi o material”.
Sr.José
relata a causa do fogo como um curto na rede elétrica e conta que para
se erguer foi preciso ajuda, e esta veio não das pessoas de seu bairro
ou de órgãos de governo, mas dos moradores do Residencial Envira, onde
ele trabalha, “A população do residencial, junto com outras pessoas de
bom coração me ajudaram, e hoje já levantei minha casinha de novo. Mas a
casa precisa melhorar, quando vem um vento forte tenho medo de arrancar
o telhado”.
Seu nome
completo é José da Costa Alves, 55, é um homem simples, ex-seringueiro
nascido em Sena Madureira. “Zezão”, como é mais conhecido, veio para Rio
Branco com a família há 28 anos, e é um dos mais antigos moradores da
região, “vivo no Caladinho há cinco anos, desde o começo do bairro,
quando ainda não tinha quase nada por lá”, diz com sua fala tranqüila e
transpirando humildade, “o bairro era como se fosse uma fazenda. Comprei
meu terreno por cem reais na época, e fiz uma casinha de três metros
por quatro, senão, nem sei onde ia morar”.
Sua
história pessoal reflete as carências do bairro, “Pra trazer meus filhos
no posto, é aquela luta medonha”, diz já com os olhos embaçados pela
emoção. Sr José conta ser casado, pai de três filhos pequenos, sendo o
único da família a trabalhar “eu tenho um filho especial de seis anos,
ele não fala, não anda, fica difícil, ele precisa ir ao médico e eu não
posso perder um dia de serviço. Minha mulher luta muito, ela fica com
ele direto, ela não pode trabalhar por causa disso”.
Como é
muito conhecido, Sr José já foi cogitado várias vezes para ser
presidente de bairro, mas devido a seu trabalho, nunca desejou
participar devido a seu compromisso com o trabalho e sua família, mas
não deixa de fazer sua parte como cidadão e critica aqueles que só se
lembram do bairro quando possuem interesse “não aparece ninguém de jeito
nenhum, sempre aparecem naquela época de eleição, e nós sofrendo aqui,
por tanto tempo. Nós somos mil e poucas famílias aqui dentro e nós somos
desprezados”.
(Nota do
autor:) Alguns dias depois desta entrevista, Senhor José foi demitido
do residencial onde trabalhava, elevando em mais um o número de pais de
família desempregados no bairro.
Fé e Solidariedade
Ações sociais são promovidas no bairro por voluntários e empresários |
Todas as
quartas e sextas-feiras o Caladinho recebe uma visita especial. Mal o
carro aponta na descida da ladeira, as crianças começam a persegui-lo
com vasilhas nas mãos e um sorriso no rosto. “Chegou!”, grita um dos
pequenos para uma mulher grávida, que traz no colo um bebê
recém-nascido, enrolado na fralda de pano e uma panela de pressão sem
tampa. É a entrega da sopa, uma tradição semanal de solidariedade,
promovida por voluntários.
“Aqui em
Rio Branco, nós começamos este trabalho em Agosto de 2010”, relata
Astor Bastos, responsável pela entrega e idealização do projeto. Ele
conta que a ideia surgiu durante um culto na igreja onde é pastor, “Já
fazíamos este trabalho em Porto Velho durante muito tempo. Como já
tínhamos esta experiência ficou mais fácil”. Dona Nadir, como é
conhecida a esposa de Astor, explica que atualmente, só realizam esta
entrega na quarta, sendo a sopa de sexta entregue por um empresário
local. Em datas festivas uma grande festa é oferecida à comunidade, “no
dia das crianças uma menina pegou um algodão doce e me perguntou ‘tia
como se come isso?’, conta Dona Nadir, emocionada pelo desconhecimento
da menina de “algo que, para nós, é tão banal”.
Religioso,
Seu Astor, como é conhecido, busca na Bíblia o amparo para este
trabalho, “Matheus disse: ‘temos de dar de comer a quem tem fome’,
então, é um trabalho que fazemos com amor. São pessoas que precisam
mesmo, e muitas vezes não tem nem onde dormir”. De acordo com ele são,
em média, 370 litros de sopa, entregues a cada visita, “é uma ação
social”, diz enfaticamente, “todos que ajudam a fazer a sopa são pessoas
da igreja, que ainda colabora toda semana com R$ 100,00”. Dona Nadir
explica que este dinheiro serve para a compra do gás, por exemplo, mas
além da igreja, diversos empresários, geralmente donos de supermercados,
colaboram doando os ingredientes.
Confira no vídeo alguns trechos da entrevista |
Na
verdade, a entrega da sopa começa bem antes, quando os vizinhos do casal
começam a trazer suas panelas. Primeiro algumas crianças, em seguida
uma gestante, e em poucos minutos um caldeirão de 90 litros se esvazia.
Mas os moradores próximos parecem ter se acostumado, a ponto de tratar o
recebimento como se fosse uma obrigação e não uma oferta voluntária,
“Por que não me avisou que a sopa estava pronta?”, cobra com dureza na
voz uma vizinha.
Por
outro lado, acompanhando a entrega, fica fácil perceber o impacto desta
ação na vida da comunidade. A fila é gigantesca e o número de crianças é
imenso, algumas entram na fila mais de uma vez, outras, trazem nas
pequenas mãos canecas e garrafas pet cortadas, qualquer tipo de vasilha
serve para garantir o alimento do dia. Questionado se este tipo de ação
não deixa os moradores acostumados a receber, sem criar uma atitude de
autonomia, ele diz que não, pois faz também um trabalho de
conscientização, “Eles precisam sair da situação em que vivem, não podem
só depender dos outros, é necessário uma atitude pessoal para mudar as
coisas.
Entrega da Sopa acontece no Caladinho toda semana, às quartas e sextas-feiras;além de ocasiões especiais, onde os voluntários organizam festas para a comunidade, com direito à pipocas, cachorros quentes, refrigerantes e até pula-pula. |
* Artigo originalmente publicado no site A Catraia
Nenhum comentário:
Postar um comentário