segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Ouvindo a voz do Caladinho

Escrito por Fábio Carvalho*   



Moradores anseiam por melhores condições de vida e respeito a seus direitos básicos
Moradores são  prejudicados pela indefinição na regularização do bairro
Moradores são  prejudicados pela indefinição
na regularização do bairro
O Caladinho tem pouco mais de cinco anos de existência, mas nesta curta trajetória, muitos percalços vêm delineando sua história. O próprio nascimento do bairro está ligado a uma questão polêmica, pois nasceu de uma invasão, e, até hoje a situação é indefinida. Assim, a maioria da população sobrevive em condições precárias, muitas vezes dependendo da ajuda de outras pessoas para conseguirem um mínimo da dignidade garantida por lei.

As principais reclamações dos moradores são com relação à segurança, “A gente até dá uma força para ajudar, pois a necessidade é grande”, diz o Sr Antônio da Conceição, morador do bairro há seis meses.  A luz também é apontada como um dos problemas da região “Quando a gente sai de casa tem de desligar tudo da tomada por que senão queima, a energia vem muito forte”, diz um dos mais antigos moradores do bairro, conhecido por Zezão, que teve sua casa incendiada devido a um curto circuito. De acordo com o Departamento de Medição e Fiscalização da Eletrobrás, parte do bairro se regularizou após os protestos causados pelo corte geral de energia, em maio de 2010, mas ainda é alta incidência de ligações clandestinas.
Moradores reclamam da falta de infra-estrutura do bairro, mas reconhecem que a irregularidade dificulta as resoluções
Sr. Antônio reclama da falta de
infra-estrutura do bairro, mas reconhece
que a irregularidade dificulta as resoluções

Os moradores explicam que para estudar é preciso se dirigir aos bairros mais próximos, como Tancredo Neves, o que dificulta o acesso a este direito básico, principalmente para quem estuda à noite, “A própria família da gente corre risco, na saída do bairro, da aula, pois a marginalização é grande“, diz o Sr.Antônio. Em Julho deste ano, alguns professores da Escola Pedro Martinello (EJA) foram ao bairro para verificar “in loco” as razões da alta incidência de desistências de alunos da região, o professor Hildebrando Bichara diz em seu blog que encontrou uma comunidade esquecida por nossos representantes, “Durante a visita vi a falta de saneamento básico, falta de ruas pavimentadas, redes de esgoto, calçadas, rede elétrica entre outros, daí percebi, que o principal motivo, dentre outros, que afastam os alunos de realizarem os seus sonhos, talvez seja os perigos que o bairro oferece, pois à noite tudo é escuro, e na volta para casa ficam expostos a todos os tipos de riscos, assim é melhor desistir dos estudos e preservar a vida’’.
Mas os moradores reconhecem que enquanto a situação legal do bairro não se define, é difícil resolver todos os problemas, pois alguns direitos estão diretamente ligados à legalidade, “a gente não pode nem citar muito por que não passa ainda de uma invasão”, diz Sr.Antônio. Além disso, a visão de que o Caladinho é uma região perigosa só prejudica os trabalhadores do bairro, que acabam pagando pelos poucos que cometem atos ilícitos. Um exemplo desta contradição é a recente suspensão das linhas de ônibus satélite no bairro devido a atos de vandalismo, situação que exclui parte desta mesma população ao transporte coletivo.  O RBTRANS divulgou que a decisão foi tomada pelos próprios moradores, em Assembléia, e que desta forma a linha circular voltará a atender o bairro e será aumentado o número de ônibus atendendo a região.
Embora a resolução dos problemas do Caladinho ainda estejam longe de acontecer, aos poucos ações sociais vão sendo construídas para, aos poucos se delinear o caminho da cidadania, e esta realidade vai dando sinais de transformação. Uma das medidas tomadas para atender as necessidades locais foi tomada no início de 2011, quando o Governador Tião Viana solicitou que o Programa de Formação e Fomento aos Pequenos Negócios, da Secretaria de Secretaria de Estado de Pequenos Negócios (SEPN) priorizasse o Caladinho e os bairros vizinhos, viabilizando a realização de cursos técnicos profissionalizantes para os moradores. De acordo com Gilson Silva, técnico do Instituto Dom Moacir, parceiro da SEPN para a realização dos cursos, este é um projeto que continua ativo, “já formamos várias turmas e dispomos de cursos diferentes, como Corte e Costura, Manicure, Mecânico de Motos, Pintura, etc”. Ele explica que os cursos possuem em média 100hs, e alguns, como o de corte e costura, recebem 20hs adicionais, enfocando o Empreendedorismo, “um dos objetivos é resgatar a auto-motivação dos moradores, proporcionando autonomia”, explica.




Fogo e reconstrução
Confira no vídeo alguns trechos da entrevista
Entre tantas histórias comoventes em um bairro como o Caladinho, uma chega a arrepiar, é a história de Sr.José, que após anos de batalha por um teto, viu seu sonho virar fumaça após um incêndio.  “A minha esposa havia saído para resolver um problema do bolsa família, que estava bloqueado, e eu estava trabalhando”, começa a contar emocionado, “quando estava almoçando meu cunhado ligou e disse que minha casa estava pegando fogo”. Agradecido, não perde tempo com lamúrias, “Graças a Deus meus filhos estavam comigo. Ficaram com a roupa do corpo, mas só perdi o material”.
Sr.José relata a causa do fogo como um curto na rede elétrica e conta que para se erguer foi preciso ajuda, e esta veio não das pessoas de seu bairro ou de órgãos de governo, mas dos moradores do Residencial Envira, onde ele trabalha, “A população do residencial, junto com outras pessoas de bom coração me ajudaram, e hoje já levantei minha casinha de novo. Mas a casa precisa melhorar, quando vem um vento forte tenho medo de arrancar o telhado”.
Seu nome completo é José da Costa Alves, 55, é um homem simples, ex-seringueiro nascido em Sena Madureira. “Zezão”, como é mais conhecido, veio para Rio Branco com a família há 28 anos, e é um dos mais antigos moradores da região, “vivo no Caladinho há cinco anos, desde o começo do bairro, quando ainda não tinha quase nada por lá”, diz com sua fala tranqüila e transpirando humildade, “o bairro era como se fosse uma fazenda. Comprei meu terreno por cem reais na época, e fiz uma casinha de três metros por quatro, senão, nem sei onde ia morar”.
Sua história pessoal reflete as carências do bairro, “Pra trazer meus filhos no posto, é aquela luta medonha”, diz já com os olhos embaçados pela emoção. Sr José conta ser casado, pai de três filhos pequenos, sendo o único da família a trabalhar “eu tenho um filho especial de seis anos, ele não fala, não anda, fica difícil, ele precisa ir ao médico e eu não posso perder um dia de serviço. Minha mulher luta muito, ela fica com ele direto, ela não pode trabalhar por causa disso”.
Como é muito conhecido, Sr José já foi cogitado várias vezes para ser presidente de bairro, mas devido a seu trabalho, nunca desejou participar devido a seu compromisso com o trabalho e sua família, mas não deixa de fazer sua parte como cidadão e critica aqueles que só se lembram do bairro quando possuem interesse “não aparece ninguém de jeito nenhum, sempre aparecem naquela época de eleição, e nós sofrendo aqui, por tanto tempo. Nós somos mil e poucas famílias aqui dentro e nós somos desprezados”.
(Nota do autor:) Alguns dias depois desta entrevista, Senhor José foi demitido do residencial onde trabalhava, elevando em mais um o número de pais de família desempregados no bairro.


Fé e Solidariedade
Ações sociais são promovidas no bairro por membros de igrejas e empresários locais
Ações sociais são promovidas no bairro por
voluntários e empresários
Todas as quartas e sextas-feiras o Caladinho recebe uma visita especial. Mal o carro aponta na descida da ladeira, as crianças começam a persegui-lo com vasilhas nas mãos e um sorriso no rosto. “Chegou!”, grita um dos pequenos para uma mulher grávida, que traz no colo um bebê recém-nascido, enrolado na fralda de pano e uma panela de pressão sem tampa. É a entrega da sopa, uma tradição semanal de solidariedade, promovida por voluntários.
“Aqui em Rio Branco, nós começamos este trabalho em Agosto de 2010”, relata Astor Bastos, responsável pela entrega e idealização do projeto. Ele conta que a ideia surgiu durante um culto na igreja onde é pastor, “Já fazíamos este trabalho em Porto Velho durante muito tempo. Como já tínhamos esta experiência ficou mais fácil”. Dona Nadir, como é conhecida a esposa de Astor, explica que atualmente, só realizam esta entrega na quarta, sendo a sopa de sexta entregue por um empresário local. Em datas festivas uma grande festa é oferecida à comunidade, “no dia das crianças uma menina pegou um algodão doce e me perguntou ‘tia como se come isso?’, conta Dona Nadir, emocionada pelo desconhecimento da menina de “algo que, para nós, é tão banal”.
Religioso, Seu Astor, como é conhecido, busca na Bíblia o amparo para este trabalho, “Matheus disse: ‘temos de dar de comer a quem tem fome’, então, é um trabalho que fazemos com amor. São pessoas que precisam mesmo, e muitas vezes não tem nem onde dormir”. De acordo com ele são, em média, 370 litros de sopa, entregues a cada visita, “é uma ação social”, diz enfaticamente, “todos que ajudam a fazer a sopa são pessoas da igreja, que ainda colabora toda semana com R$ 100,00”. Dona Nadir explica que este dinheiro serve para a compra do gás, por exemplo, mas além da igreja, diversos empresários, geralmente donos de supermercados, colaboram doando os ingredientes.
Confira no vídeo alguns trechos da entrevista
Na verdade, a entrega da sopa começa bem antes, quando os vizinhos do casal começam a trazer suas panelas. Primeiro algumas crianças, em seguida uma gestante, e em poucos minutos um caldeirão de 90 litros se esvazia. Mas os moradores próximos parecem ter se acostumado, a ponto de tratar o recebimento como se fosse uma obrigação e não uma oferta voluntária, “Por que não me avisou que a sopa estava pronta?”, cobra com dureza na voz uma vizinha.
Por outro lado, acompanhando a entrega, fica fácil perceber o impacto desta ação na vida da comunidade. A fila é gigantesca e o número de crianças é imenso, algumas entram na fila mais de uma vez, outras, trazem nas pequenas mãos canecas e garrafas pet cortadas, qualquer tipo de vasilha serve para garantir o alimento do dia. Questionado se este tipo de ação não deixa os moradores acostumados a receber, sem criar uma atitude de autonomia, ele diz que não, pois faz também um trabalho de conscientização, “Eles precisam sair da situação em que vivem, não podem só depender dos outros, é necessário uma atitude pessoal para mudar as coisas.


Entrega da Sopa acontece no Caladinho toda semana, às quartas e sextas-feiras;além de  ocasiões especiais, onde os voluntários organizam festas para a comunidade, com direito à pipocas, cachorros quentes, refrigerantes e até pula-pula.


* Artigo originalmente publicado no site A Catraia

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