quarta-feira, 13 de abril de 2011

Memória educativa: Um paradoxo de altos e baixos


Ainda bom aluno aos doze anos
Minha trajetória de estudante foi marcada por incontáveis altos e baixos, caracterizando um caminho irregular e repleto de paradoxos, o que tornou a minha caminhada íngreme, hercúlea.
 Parte desta dicotomia se deve a minha dificuldade em seguir regras rígidas sem explicações claras dos porquês de tais regras, mas também, por culpa do sistema de ensino ao qual fui submetido, repleto de professores mal preparados e maniqueístas, incapazes de despertar nos alunos o interesse pelo conhecimento e a busca pela cultura, uma verdadeira ode ao desestímulo.

    Inicialmente, minha entrada no mundo do conhecimento se deu de forma positiva. O pré-primário, ou “pré” como carinhosamente conhecíamos esta fase estudantil, foi um período de descobertas, rico em estímulos, novidades e experiências. Rapidamente passei do B+A= BA para a leitura de placas de nomes de ruas e nomes de bares pelas janelas dos ônibus enquanto voltava para casa. Lembro com prazer do incentivo de minha “tia” e de seus incontáveis “parabéns” e “muito bom”, assim como não esqueço também de como achávamos bonitos nossos desenhos repletos de borrões e nossos bonecos de massa de modelar. A verdade é que nesta etapa, sendo tudo uma novidade, é difícil não a termos como uma fase positiva, saudosa, onde nossa inocência ainda não exigia maiores necessidades. A menos que algo esteja muito fora do comum, não se encontra quem se lembre desta fase de forma negativa, aos mais críticos talvez, “poderia apenas ter sido melhor”.

Durante o "pré"
Entretanto, vendo as coisas com meus olhos atuais, não só poderia ter sido melhor, como deveria ter sido. Afinal, o que nós somos, depende totalmente de nossos anos iniciais. Somos fruto de incontáveis fatores, influências das mais diversas, mas nos anos iniciais, somos produto daquilo que nossa família implanta em nós através de seu cotidiano, e um pouco depois, daquilo que vivenciamos em nossas escolas. 
Sendo assim, estes anos iniciais em nossa jornada estudantil deveriam ser tidos como os mais importantes, aqueles em que seriam empregados todos os esforços para uma base sólida em nossa educação, e não apenas como uma introdução sem importância, onde nada mais precisamos fazer que colorir desenhos xerocados, repetir palavras sem sentido e bolinhas de massa de modelar. Esta etapa deveria ser tratada como se dela dependesse toda nossa formação sócio-educativa, pois depende.

Até a terceira série não tive muitos problemas em minha recém iniciada carreira de estudante. Era bom aluno, atencioso, fazia todas as lições de casa, cuidava bem do caderno e tirava boas notas. Gostava de aprender coisas novas e por isso, gostava também da escola. Entretanto, só foi na quarta série que descobri algumas verdades. Não era tão bom aluno assim e também não sabia tanto quanto os meus “oitos e noves” deveriam indicar, e por isso, acabei achando também que não gostava da escola tanto assim. 
Acontece que, até a terceira série, estudava em uma escola pública, com seu ritmo e metodologia própria. Na quarta série, talvez movido por um desejo de oferecer algo melhor a seu filho, meu pai me colocou em uma escola particular, com seu ritmo e metodologia própria, distintos da forma pela qual até então aprendia.  Inesperadamente me vi perdido, em meio a exercícios que não compreendia, assuntos que desconhecia e cobranças que até então não havia recebido. Como resultado meus “oitos e noves” viraram “cincos, seis”.  
Nunca vou me esquecer do primeiro dia de aula, quando a professora de português solicitou que fosse feita uma oração com determinadas palavras, e eu, confiante em meus “noves” da matéria coloquei as palavras apresentadas em uma oração de fato, mas que seria perfeita para a aula de religião... Passei pela quarta série no limite, e por mais que me esforçasse, não conseguia sair do “mínimo necessário”, o que me fez na mesma escola particular, iniciar a quinta série em total desestímulo.



Tudo isso, aliado à minha recém descoberta paixão por cabular aulas (o que hoje vejo como um escapismo à minha frustração) levou-me à minha primeira repetência. Meus professores não souberam lidar com minha limitação, não compreenderam que abaixo daqueles “quatros e cincos” estava repleto de “noves” querendo reaparecer, bastando para isso, o estímulo certo. Meu pai também não compreendeu, e achou que me colocando de volta no sistema público resolveria o problema. Resolveu, por pouco tempo.

Voltando ao ensino público, algumas manchas não puderam mais ser removidas. Minha concentração já não era a mesma, e a divagação privou-me de valiosas lições, as quais só fui sentir falta muitos anos depois. 

Por outro lado, aos poucos fui reaprendendo a ser bom aluno, ou pelo menos, o que este sistema entendia como bom aluno, afinal, já conseguia mais uma vez tirar notas boas, a despeito de ter aprendido ou não. 
Apesar de mais uma repetência na sexta série, desta vez por faltar o suficiente para ser considerado abandono de estudos (sendo que na maioria dos dias cabulava aula e ia para a biblioteca pública, onde passava o dia lendo), cheguei bem até a oitava série e me formei entre altos e baixos, que se por um lado evidenciavam talento para aprender, denotavam também, descaso para o estudo. Em alguns momentos era tido como “brilhante”, em outros, caminhando pela mediocridade.

 Este amálgama de paradoxos que nortearam meus estudos até a oitava série, ficaram mais evidentes com minha entrada no segundo grau, onde por anos seguidos não consegui passar do primeiro ano. A esta altura, enquanto meus colegas liam os resumos na contra capa dos livros, eu já havia lido de A Divina Comédia a 2001 apenas por gostar de ler. Faltava por semanas seguidas às aulas, mas quando ia, olhava para o quadro e pedia uma explicação rápida da matéria aos alunos mais próximos. Se fosse à aula no outro dia, lá estava eu, ensinando a matéria aos colegas... 
Repetidas vezes era obrigado a sair da sala de aula pelos mesmos professores que adoravam minha permanência.  Zeros, trocas de escolas e repetências se tornaram então, constantes em minha jornada, até o dia em que finalmente, não mais voltei. O fracasso parecia enfim ter devorado a potencialidade.



Embora tenha abandonado de vez a escola, não havia abandonado a busca iniciada entre as aulas cabuladas e as visitas diárias à biblioteca anos antes, e por isso, os livros, o pensar e a cultura continuaram a fazer parte de minha jornada pessoal. Fui obrigado a ver as mesmas pessoas que liam apenas resumos e colavam nas provas, as mesmas que eu ensinava durante as poucas aulas que ia, a se formarem, crescerem, se estabilizarem, enquanto eu, nem havia conseguido terminar o primeiro ano do segundo grau.  E assim permaneci por mais de dez anos. 


Trote na UFAC - Jornalismo 2009
A virada se deu somente após muitas viagens pelo país em uma tortuosa busca por respostas interiores. Respostas que vieram devagar, culminando em uma vinda até o Acre, onde finalmente, consegui terminar o segundo grau através do Supletivo do tele-curso 2.000 e uma mudança radical de perspectiva. 
Pouco depois, inscrevi-me em três vestibulares, passei nos três. Uma universidade foi descartada por ser paga. Outra, que é Federal inscrevi-me, e estou cursando, faço Comunicação Social na Universidade Federal do Acre, com habilitação em Jornalismo. A terceira, também estou cursando, faço Artes Visuais na Universidade de Brasília, através do programa Universidade Aberta do Brasil.

É evidente, ao se analisar uma trajetória de estudante com tantas inconstâncias quanto a minha, que o fracasso temporário ao qual fui submetido não se deve a apenas um fator. Na verdade esta dificuldade se deve a uma série de fatores, iniciados nos primeiros anos, quando não recebi a base correta para os estudos posteriores, desenvolvidos e evidenciados na mudança de padrão escolar da pública para a particular e culminando no abandono dos estudos, anos depois, por uma culpa mista de uma base educacional mal formada, de minhas dificuldades pessoais, da falta de visão de alguns professores e do sistema educacional que privilegia a passividade e as notas ao invés do raciocínio, da criatividade e do pensar. 
Entretanto, por não ter abandonado o desejo do saber ao abandonar os estudos, criei uma base própria de conhecimentos e foi ela quem me permitiu, mesmo com mais de dez anos longe da escola, terminar em poucos meses o segundo grau através do supletivo, e mesmo sem cursinhos preparatórios, passar nos vestibulares a que concorri. 

    E por isso, a despeito de minha irregular caminhada, aqui estou, em dois cursos superiores que se complementam de diversas formas; na UFAC e na UNB, cujas distintas metodologias me encantam cada vez mais (embora em momento ou outro desgaste e mostre facetas nada educativas quando se fala de UFAC), pois se mostram desde o início, propensas ao verdadeiro sentido do aprendizado, capaz de estimular o raciocínio, a criatividade e a crítica enquanto promove no aluno o sentimento de auto-dependência, deixando claro que ele é o responsável por seu sucesso. Características estas, que se existentes em meus primeiros anos de estudo, embora certamente tivessem me levado para o mesmo fim, certamente o seria por caminhos menos tortuosos. 

Auto retrato, exercício de Artes Visuais da UNB 

2 comentários:

  1. Olá... gostei do seu blog, também tenho um blog sobre educação, venha me visitar:
    http://tawanaorlandi.blogspot.com/

    Abraços e até

    Tawana

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  2. Obrigado Tawara! Seu blog tb é muito legal, já estou seguindo! :)

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