sexta-feira, 25 de junho de 2010

Uma experiência como educador de arte

Como futuro arte educador, deveria narrar aqui as minhas tentativas de ensinar meus filhos a desenhar; citar a ênfase que dei às formas geométricas, mostrando-lhes que usando círculos, quadrados e triângulos pode-se desenhar qualquer coisa, bastando aprender a enxergar estas formas na natureza e depois reproduzi-las como base de nossos esboços; talvez devesse narrar as vezes em que tentei mostrar à minha esposa a poesia visual de Akira Kurosawa e seus sonhos com Van Gogh, tentando despertar a sensibilidade artística ainda adormecida por sua vida atribulada, de obrigações e falta de tempo. Mas a verdade é que só consigo pensar nas histórias desenvolvidas através dos jogos de RPG em que participei.

Amparado em Belidson Dias quando afirma que “(...) pelo ensino das artes, podemos oferecer ao indivíduo uma experiência prático/teórica que permite o espaço para desenvolver o impulso humano da autoexpressão ” (Escritos Essenciais, pág 04), coloco as histórias criadas por este jogo como uma ferramenta para a arte-educação, assim como considero que realizava inconcientemente o papel de professor quando criava histórias que tinham por objetivo de explorar o simbolismo de nossa realidade através de personagens e situações "Os símbolos foram os meios pelos quais o homem conseguiu sair do estado animal de inconsciência, para a primeira fase de consciência" afirma Belidson, e o simbolismo foi preponderante nesta jornada.

Através dos jogos de RPG tive a oportunidade de, como jogador, me colocar no papel de um aprendiz, recebendo ensinamentos e tendo a oportunidade de vislumbrar diversas outras perspectivas possíveis de minha realidade. Fui um artista frustrado, embora talentoso, e que desejava compartilhar sua visão artística com toda a sociedade em uma história do jogo “Vampiro a Máscara”. Fui um jovem aprendiz de ferreiro, ansioso por aprender as técnicas e os mistérios da arte ancestral de moldar espadas em um jogo de “D&D”. Fui também um cineasta famoso, amigo de Kubrick e Spilberg em uma história de GURPS ambientada em um futuro tecnológico chamado de “Cyberpunk” neste universo. Na história aprendi mais sobre a arte do cinema que em toda minha jornada como estudante na vida real.

Por outro lado, também tive a oportunidade de me colocar na posição de quem ensina, pois também fui “mestre”. Mestre no mundo do RPG é o equivalente ao narrador, ao deus da história, que age através de seus personagens (chamados NPCs) e das situações que os personagens devem enfrentar para poder seguir em frente. Como mestre sempre tive o cuidado de criar em minhas histórias dois pontos essenciais; primeiro coerência histórica cultural e artística, pois sendo um retrato de nosso mundo (às vezes distorcido, mas ainda assim, sempre tendo nossa realidade como base) sempre pesquisei a fundo a ambientação.

Se uma história se passava na Grécia, pesquisava sobre a história, costumes e arte gregas. Se a história se passava na idade média, era necessário compreender o pensamento da época para caracterizar os NPCs. Se os personagens encontrassem um trovador, como ele seria? Como seria o contato? Uma caravana de teatro poderia passar por eles? E segundo, o simbolismo apontado por Belidson, pois como mestre sempre foi impossível não expor o mundo que existe dentro de mim através de meus personagens. E como mestre sempre pude explorar através de distintos personagens diferentes nuances de minha alma. Não formei artistas, nem historiadores, tampouco filósofos, não era este o objetivo, mas tenho certeza que em diversos momentos consegui contribuir para que meu grupo de jogadores tivessem uma experiência de catarse, e que além disso saímos todos com algo a mais em nossa experiência, algo positivo e que tenha servido como motivo de reflexão e aprendizado, indo muito além do “imitatio”.

“O maior produto social do ensino de arte não serão os trabalhos de arte que possivelmente podem ser gerados dele, e sim, a formação de um tipo de pessoa que seja capaz de apreciar a arte com uma atitude crítica e que seja capaz
de transformar a sua experiência estética em algo positivo para a sua vida e para a sociedade” (Pág 05)

Através das sessões de RPG, mestre e jogadores têm uma oportunidade singular de desenvolver os sentidos, de direta e indiretamente levar o grupo à enriquecer seu desenvolvimento social, transpondo as barreiras culturais ou racionais “As artes entram na alma através dos sentidos muito antes do poder da razão estar desenvolvido nas crianças” (pág 09).
Os jogos de RPG como método são uma forma nova (muitas vezes vítima de preconceito) e pouco conhecida de ensinar, mas também é ao mesmo tempo uma das mais antigas formas de ensino, pois trata-se nada mais nada menos que a tradição de se contar histórias. Durante milênios nosso conhecimento foi passado de geração em geração assim, seja em volta de uma fogueira na pré-história, nas pessoa ouvindo as parábolas de Jesus na montanha ou na melodia de um bardo medieval. Contar histórias sempre foi um ato instrutivo e de transmissão de ensinamentos, e minhas partidas de RPG por mais descompromissadas que fossem, sempre traziam à tona algum questionamento, alguma reflexão, alguma grande lição que os personagens deveriam aprender.

Como jogador, tive acesso a culturas antes inimagináveis ou inalcançáveis; estive na Pérsia, na China, na Europa de Napoleão e na África dos Egípcios. Pude conhecer a arte, a cultura e o pensamento destes povos. Como mestre, pude perceber também, o potencial educativo desta ferramenta. Foi possivelmente minha primeira grande conquista como futuro arte educador, pois antes de pensar em ser professor já utilizava esta ferramenta com esta finalidade. Talvez, até tenha sido justamente isto que tenha me trazido para cá.


Referências:

DIAS, Belidson, Escritos Essenciais, Unb/Ida/Vis/Uab.

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