quinta-feira, 25 de março de 2010

Enterrem meu coração na curva do Rio Acre


A cultura indígena, estudada a partir da terceira semana de estudos na UAB-UNB, firmou-se como um dos temas mais debatidos e apreciados do curso de Artes Visuais neste primeiro semestre. Entre os motivos podemos listar o interesse pelo exótico, o questionamento sobre as verdadeiras raízes do povo brasileiro, os prós e contras da adaptação dos índios e a morte decretada de culturas indígenas frente à modernidade.

O Brasil é reconhecidamente um cadinho cultural, uma miscigenação de povos e etnias, onde a indígena influenciou muitos de nossos costumes. Palavras e nomes como Açaí, Carioca, Itajubá, Amapá, Arapuca, e etc, estão tão incorporadas à nossa cultura que não nos damos conta de sua origem indígena. O mesmo ocorre com festejos populares, onde as tradições folclóricas brancas se misturam com sua herança indígena. Parte da sociedade moderna reconhece esta herança cultural e respeita os povos indígenas, lutando para preservar a cultura ao mesmo tempo em que tenta tornar possível a assimilação de algumas das conquistas da cultura branca, como a saúde e o direito à escola. Mas infelizmente, ainda há uma parcela que resiste à própria história, e reluta em aceitar a cultura indígena como uma cultura nivelada à própria, constituindo assim a prática do etnocentrismo. Outra parcela acredita que está ajudando uma causa maior, tentando a todo custo ajudar os indígenas a modernizarem-se, e seguindo este caminho acaba criando problemas maiores. Neste exemplo temos as escolas implantadas em dezenas de aldeias. Dar o direito ao índio de estudar e aprender é válido, mas este tipo de ação perde seu efeito quando se tenta ensinar-lhe a cultura branca, como se a sua não fosse importante e não devesse ser transmitida às gerações posteriores. Para verdadeiramente ajudar este povo, não basta dar-lhes escolas de brancos, ensinando sobre heróis brancos e forçando-lhes a cultura branca e o nosso idioma. É preciso adaptar. Ensinar-lhes sobre suas origens, sua cultura, sua língua mater. Falar de seus heróis, e não dos nossos. Reforçar sua identidade, nunca destroçá-la em prol da nossa própria, como se tem feito há mais de quinhentos anos...

Ainda hoje existe um preconceito muito grande com relação à cultura indígena. Grande parte graças à falta de conhecimento e de informação. Muitos ainda hoje influenciados pela mesma mentalidade do séc. XV, ainda vêem o índio como um povo inferior, não-homens, simplesmente por não seguir o mesmo padrão cultural que nós. Desde então, pouco se fez para estudar ou mesmo admirar estas distintas culturas. E século após século, elas vem sendo dizimadas e inferiorizadas. Não raro, tidas como selvagens, mesmo quando sua base é a preservação da vida e da natureza, com respeito ao próximo e aos deuses. Enquanto isso, sociedades tidas como modernas se digladiam em uma busca incessante de dinheiro, acabam com o meio ambiente e com as relações com o próximo, mas estas não são selvagens, são cristãs... O homem da cidade desconhece a cultura indígena, poucos conseguem entender que por trás das pinturas e das penas há um rico mosaico cultural e religioso. A dança, cântigos, cerâmica, religiosidade, muitas vezes são vistos como mera curiosidade, excentricidade, o exótico que vende.

Outro problema é a demarcação de terras. Embora tenham sido habitantes das Américas bem antes da conquista branca sobre seu território, os índios de hoje são meros pedintes. Solicitam ao homem branco a permissão de habitar reservas demarcadas pelo próprio branco, que na maioria das vezes não procura conhecer as raízes históricas daquele povo e quais terras melhor serviriam a sua cultura. Isso quando se conquista o direito à reservas. E neste caso, o homem branco em sua maioria, simplesmente escolhe pedaços de terra “sem valor”, muitas vezes campos abandonados e estéreis, sem água, sem caça, sem rios e demarca como território indígena, agindo como se estivesse fazendo um favor. Logo em seguida, divulga-se um relatório da bela obra social. Damos terra aos índios. Mas deram-lhe dignidade?

Nós crescemos assistindo a filmes do velho oeste americano, onde o mocinho é sempre o Cowboy, o herói que chega em seu cavalo nobre e enfrenta os índios ferozes e selvagens, que querem a todo custo assassinar a todos os bons homens que passarem pelo seu caminho, e por isso, nas nossas brincadeiras de índio e Cowboy, ninguém queria ser índio, todos queriam ser o herói. Entretanto, no livro “Enterrem meu coração na curva do rio”, de Dee Brown, somos alertados de que esta é apenas uma visão caricaturizada dos índios da América do Norte, e através de relatos dos próprios índios fazendo uma versão mais realista dos fatos, onde fica claro o quanto este povo foi enganado através dos anos. Através da conquista e da lei do mais forte (ou melhor equipado para a guerra), o homem branco avançou impiedosamente sobre estes povos. Enganou os que resistiram com politicagem, mentiras e tratados seguidos de mais tratados de paz que só serviam para diminuir o território indígena e colocar os índios numa posição desfavorável, onde a cada nova assinatura ou polegar colocado no papel, perdiam um pouco mais de sua terra. Como resultado, hoje os EUA destruíram quase que na totalidade sua natureza. Os povos indígenas, outrora vistosos, hoje não são mais que pálidas imagens de um passado nobre. Agora, camuflado sob políticas de conservação o mesmo se repete no Brasil. Estamos permitindo que a cultura indígena seja deturpada, alterada, exterminada a bel prazer.

Claro que existem projetos dignos, que procuram resgatar a cultura indígena, preservá-la, divulga-la não como produto, mas como cultura. Mas infelizmente estas ações são poucas. São raras as escolas indígenas que englobam a cultura local e ensinam a língua original destes povos e não português como língua principal. Existem aldeias com acesso à internet, mas também existem povos inteiros marginalizados. Alguns índios obtêm regalias através de projetos governamentais, mas a maioria, ainda luta para sobreviver dignamente em dias tão difíceis. A verdade é que a cultura indígena como a conhecemos está fadada ao desaparecimento. Os índios estão se tornando temas de filmes que saúdam a glória passada. Figurantes de novela que colocam penas sobre a cabeça para passar uma imagem. Os índios continuarão a ser índios, mas sua cultura está se tornando a do capitalismo, e como tal, a venda de sua cultura está se tornando um lucrativo negócio. E, para finalizar, lembro o exemplo de um jovem índio citado no “Enterrem Meu Coração Na Curva Do Rio”... O indiozinho, todas as tardes assistia a filmes de bang-bang com o amigo, e sempre escolhia ser o cowboy nas brincadeiras. Seu amigo, estranhando a escolha oposta de herói, o questionou do porque ele índio torcer para o cowboy. O indiozinho respondeu “É que eles não são índios de verdade”.

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