quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Ao Mestre Com Carinho


“Ao Mestre com Carinho" é baseado no livro homônimo de E. R. Braithwaite, e foi escrito e dirigido por James Clavell . Trata-se de um drama vivido por um professor negro em uma escola londrina, onde enfrenta uma classe indisciplinada e rebelde, a história se desenvolve com o professor se dispondo a transformar a realidade da sala e dos alunos. O professor percebe rapidamente que sua tarefa será tão árdua quanto sua busca por um lugar no mercado de trabalho. Porém, enfrenta o desafio, mesmo com seus colegas professores desacreditando as possibilidades de êxito na empreitada. Em determinado ponto, seu colega “Weston “, o mais cínico e pessimista do grupo afirma sobre o que acha necessário para educar estes jovens e como ele os vê: “Eles precisam de uma boa surra (...) Você é muito ingênuo caro colega. Logo estarão ganhando o dobro do que ganhamos, antes de você perceber farão parte dos londrinos sujos, iletrados, fedorentos e felizes... Educação é uma desvantagem nos dias de hoje”.
Mark Thackeray na verdade não é um professor, mas um engenheiro desempregado. Não encontrando lugar no campo de trabalho no qual é formado, encontra uma oportunidade passageira para trabalhar como professor em uma escola secundária no bairro operário de East End. A escola é um composta por um cenário que se encaixaria nas escolas de periferia que temos no Brasil, com carências, professores desmotivados, descrentes e pouco determinados a mudar a realidade dos alunos, que por seu lado sofrem com a violência, a falta de incentivo e o desrespeito às autoridades. Não à toa, a trama se passa em uma escola em East End, pois o bairro possui uma má reputação desde que Jack o Estripador andou por suas ruas, deixando para trás um sinistro legado. Além disso, o bairro sempre recebeu levas de imigrantes pobres e marginalizados em busca de melhores condições de vida, o que contribuiu para a visão (ainda que eufemista) apresentada no filme de um bairro pobre, perigoso e violento. O escritor Arthur Morrison, em "Tales of Mean Streets", retratou East End como "um plexo diabólico de bairros pobres que esconde criaturas humanas rastejantes onde todos os cidadãos têm olhos roxos, e ninguém nunca penteia seus cabelos".
O filme nos leva a refletir sobre muitos problemas típicos da adolescência, como a necessidade da auto-afirmação e o questionamento às ordens, mas ele se aprofunda mais e usa isso como mero pano de fundo para mostrar as questões sociais e raciais que delimitam o status quo destes jovens. Em uma das partes mais marcantes do filme, onde o professor ainda sofre a hostilidade dos alunos, tem um acesso de raiva pega todos os livros e os joga numa lixeira, alegando que eles são inúteis para aquele grupo. Outro momento, onde o conflito vêm à tona e a tensão se expõe entre os professores ocorre no ginásio, onde o professor de educação física obriga Buckley, um aluno ao qual sempre tratara com desrespeito, a realizar uma tarefa a qual não consegue realizar. O professor usava este aluno para ridicularizá-lo perante a classe, pois era o gordo, o mal exemplo, aquilo que os outros deveriam repudiar, e mesmo quando os outros alunos o defendem, o professor se impõe. Como resultado Bucley tenta pular um cavalo de madeira e cai sobre ele, se machucando. Outro aluno, pegando um pedaço do equipamento quebrado tenta machucar o professor. Para aliviar a tensão, outro aluno recorre ao professor Thackeray. Entretanto, nasce fica nítida a divergência entre os métodos dos professores, e renasce aí também a tensão entre os alunos.
Por outro lado, há também cenas marcantes que demonstram o fim das tensões e a conquista da confiança dos alunos pelo professor Thackeray. Esta confiança começou a ser delimitada quando, após o incidente dos livros, ele se pôs a refletir do porque não conseguir mobilizar estes jovens. A partir daí começou a tratar os alunos como iguais, o que os fez sentirem-se mais respeitados e em contrapartida respeitando-o mais. Em sua estratégia, estava ouvi-los, e reconhecer as suas necessidades, sem impor-lhes o currículo escolar ao qual sempre haviam rejeitado. Desta forma, os alunos foram motivados, abriu-se com eles o diálogo, e com ele, agregaram-se os avanços pessoais e escolares da turma. Um momento marcante que retrata este aspecto do filme é retratado na visita ao museu. Antes, os alunos eram menosprezados, marginalizados. Portanto, seria impensável levá-los a um passeio, “o pior poderia ocorrer”. Mas surpreendentemente os alunos não só se dispuseram ao passeio como se empenharam em provar o contrário, fazendo do passeio uma viagem pessoal, de auto-descoberta. Outra parte marcante, e que finalmente mostra a vitória do professor sobre as adversidades, o preconceito e a ignorância ocorrem quando em determinado momento ele se corta e sua mão sangra. Um aluno comenta sobre a cor vermelha de seu sangue fazendo alusão à sua cor negra. Pouco depois, um aluno perde a mãe e os colegas se negam a levar flores à sua casa, pois não poderiam ser vistos na casa de um negro. Pedem inclusive desculpas ao mestre, alertando-o que isso não era com ele, que ele era diferente... O professor fica visivelmente decepcionado com a atitude e em seu âmago, deve estar se questionando se valeu a pena tanto esforço empregado até ali, pois se pensam assim nada aprenderam, mas nada fala e continua suas aulas. Entretanto, os alunos entendem sozinhos e surpreendem o professor quando este chega para entregar suas flores ao aluno e encontra em frente a casa todos os alunos e um carro de flores.
Para o crítico húngaro Béla Balázs “Nós estamos no filme”, e isto é efetivamente verdadeiro quando se trata de filmes dotados de alto grau de sensibilidade quanto “Ao Mestre Com Carinho”. Nele, incorporamos os sentimentos que Potier expressa através de seu personagem. Sua angústia, sua admiração, suas dúvidas, seu medo, determinação e perseverança. Sofremos com ele ao menor indício de preconceito, intolerância ou ostracismo. Ficamos repugnados, inconformados com a atitude de alguns colegas que se tornaram amargos com o tempo. Mas acima de tudo, nos regozijamos com a vitória da classe, com as descobertas destes alunos acerca de um novo mundo e de si próprios. E ao final, quando o professor negro dança com a aluna branca no baile, sentimo-nos felizes por percebermos a mais valiosa lição deste mestre. Somos todos iguais.
Se comparado com a realidade educacional de hoje e à forma com que os alunos se comportam em sala, o filme pode ser considerado até um pouco inocente. As dificuldades que os alunos (os piores da escola) impõem aos professores é lugar comum nas salas de hoje. A forma desafiadora e a postura anti-autoritária de hoje, aliada aos problemas com violência e drogas torna os alunos do filme nada mais que crianças desorientadas. Entretanto, a mensagem igualitária, de auto-superação e de uma nova visão sobre a educação persiste e será sempre atual. Resta-nos seguir o exemplo do mestre e sem esmorecer persistir em colaborar para a transformação interior e exterior de nossa realidade.

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