sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A queda de Lex

  Sempre fui um severo crítico do Superman e todas as suas aventuras fantásticas em um mundo perfeito, onde o bem sempre vence e o mal e é facilmente identificável por uma visão maniqueísta do preto e branco. Mas a vida é diferente, o bem e o mal são apenas conceitos, e o mundo é repleto de tantos tons de cinza que nunca se pode ter absoluta certeza sobre o que é certo e o que é errado. Por isso, sempre detestei o Superman das histórias em quadrinho da DC e dos desenhos animados, onde mais irreal que seus fantásticos poderes é sua perfeição. 

  Pelo mesmo motivo, tornei-me também fã incondicional de Smallville, onde a visão de certo ou errado é bem mais real, bem mais maleável e difícil de se identificar. Em Smallville, todos possuem suas razões, seus medos, seus demônios e imperfeições; inclusive o Superman; que na série é tão humano quanto eu, capaz de errar e incapaz de fazer muitas coisas, a despeito de seus fantásticos poderes, que aliás, em muitas situações se mostram mais um fardo que uma dádiva, como seria no mundo real. E é por esta razão que Smallville nos cativa, ela apresenta um herói de carne e osso, um arquétipo de nossa psiquê com a qual nos identificamos e sua jornada mitológica está arraigada em nosso inconsciente coletivo.
  
  Sinceramente, não estava muito contente com os rumos que a terceira temporada estava tomando. Nas duas primeiras temporadas, a relação de Clark com Lana era o epicentro da série, o pano de fundo para todas os outros conflitos. Entretanto, a relação vai-não-vai acabou cansando, principalmente depois que ficou claro que não se tratava mais de um amor platônico de Clark, mas sim de um amor recíproco que apenas não acontecia. Mas, analisando a fase de mudanças em que a série se encontra agora (falo da ordem apresentada pelo SBT, que é a que tenho acesso), duas coisas ficam claras: 

  Primeiro; os roteiristas perceberam que a coisa estava esfriando e que estavam perdendo audiência, e, segundo; que estes mesmos roteiristas são brilhantes, pois estão conseguindo se reinventar e reinventar toda a série, mesmo sem se apoiar na relação desgastada de Clark e Lana. Estão desenvolvendo novas idéias, trazendo novos personagens e explorando mais fundo a personalidade e a vida de um personagem essencial na vida de Clark, Lex Luthor. É claro que alguns estão ficando apagados, como é o caso de Pete. Cloe, é outra que merecia um maior destaque , mas segundo soube, terá sua importância melhor trabalhada em breve...  Mas é Lex quem me interessa neste momento. 

  Todos sabemos quem ele é no universo DC, o maior inimigo do superman, "o cara do mal". Mas a pergunta que todos fazem desde o início da série é, como estes dois grandes amigos puderam se tornar arqui-rivais? Claro que se apoiássemos a visão simplista da vida poderíamos apenas dizer: "Ele é mal, nasceu assim e pronto", mas como eu disse no início desta coluna, Smallville é cheia de tons acinzentados, e ninguém caminha com tanta desenvoltura entre um extremo e outro quanto Lex. Ele representa não só o oposto do Superman, mas acima de tudo, ele é ao mesmo tempo herói e bandido, é o anti-herói, e não o vilão. Lex é o personagem mais humano em Smallville, e ele -assim como todos nós-, possui seu lado obscuro. E como é latente desde o início da série, Lex luta com seus demônios todos os dias, Lex viu seu futuro, ele sente o que vai ocorrer e luta para mudar seu destino. Ele não deseja ser “mal”.
  
  No final, nós sabemos, o lado negro de Lex virá à tona, mas o que causará a derrocada de suas esperanças? Ninguém pode afirmar com certeza -ainda não-. Mas, assistindo ao episódio de hoje, vendo Lex internado em um hospício, sendo drogado e eletrocutado em uma espécie de lobotomia seria fácil dizer que foi aí que Lex se rendeu. Talvez seja -eu acredito que seja-, mas minha visão não é tão simplista. Lex diz ter perdido a memória, a maioria de nós vai duvidar disto, Lex é inteligente o suficiente para não revelar que se lembra dos acontecimentos recentes, caso contrário, estaria pedindo para que tudo se repetisse. No entanto, eu acredito que ele realmente se esqueceu. O problema é que o sofrimento de Lex não se apagou com o esquecimento, acredito que os fatos marcantes de nossas vidas passam a fazer parte de nós, como simbiontes, amalgamados em nossa alma. E assim, mesmo que Lex tenha se esquecido dos fatos, a dor ainda o persegue. E pior, agora ele não vai saber porquê há tanta dor dentro de si, o que a fará crescer até se tornar insuportável pela falta de respostas.
  
  Além disso, o episódio -que foi sensacional- teve uma grave falha. Os roteiristas perderam a oportunidade única de apontar o exato momento em que Lex perdeu a batalha. Este momento ocorreu hoje e ninguém parece ter percebido. Quando ele foi eletrocutado? Não, mais uma vez, simplista, óbvio demais. O momento da sua queda foi quando ele pediu ajuda à Clark. Ele sabia que Clark podia ajuda-lo, ele acreditou que a amizade deles seria mais forte que as dúvidas que pairavam no ar e as “provas” que depunham contra si. Lex teve fé que seu melhor amigo acreditaria nele quando todo o mundo o condenava. E o que Clark fez? Ele o abandonou. Simples assim. 

  Já vimos Clark invadir prédios mais seguros que um sanatório várias vezes por motivos menos importantes, ele já foi contra todos por acreditar na inocência de várias pessoas apenas pelo benefício da dúvida. E desta vez, o que ele fez? Permitiu que seu melhor amigo fosse internado por alguém que ele sabia ser capaz de qualquer coisa para controlar o filho. Ele sabia que Lex havia sido drogado e que tudo estava sendo manipulado, e mais importante, ele sabia que Lex não conseguiria sair desta sozinho como estava. E o que ele fez? Fraquejou. Abandonou o amigo quando podia não só tê-lo tirado de lá, como poderia ter lhe dado apoio enfrentando quem quer que fosse por acreditar em um amigo. Clark selou seu destino e o de Lex neste momento, pois foi quando Lex percebeu que estava sozinho no mundo e que a amizade de Clark não era tão forte quanto ele supunha. Não importa se depois Clark tentou tira-lo de lá. Ele devia ter feito isso antes, quando seu amigo olhou em seus olhos e pediu por ajuda. E a grande questão é esta, mesmo se Lex se esquecer de tudo como o episódio sugere, sua alma está marcada por uma traição que ele não conseguirá esquecer. 

  Tudo isso me fez lembrar que passei pela mesma situação uma vez... Tudo depunha contra mim, os fatos eram óbvios. Eu era visto como um perigo em potencial, estava trancado em um lugar frio, escuro, uma prisão chamada ostracismo. Um lugar muito pior que um sanatório, pois não há nem mesmo alguém que lhe visite. E fui parar ali pela mesma razão que Lex se tornou finalmente um Luthor. Por ser acusado, julgado e condenado sem o benefício da dúvida. Mas principalmente, por pedir ajuda a um amigo em quem confiaria minha alma e ser abandonado.

  No meu caso, eu superei, e embora ainda hoje existam feridas não cicatrizadas, também aprendi a perdoar, e principalmente a reconhecer que também cometi meus erros e a não guardar mágoas de quem acreditava ter me machucado tanto ao me abandonar quando mais precisava, pois na verdade a coisa não era bem assim (nunca é) e eu era o único culpado por tudo... Aprendi a olhar para o futuro deixando o passado para trás e ver estas mesmas pessoas ao meu lado novamente, confiando mais uma vez, que serão capazes de estar a meu lado quando todos os outros me abandonarem. Mas Lex não vai conseguir, ele vai se sentir durante a vida toda como eu me senti por alguns meses; sozinho no mundo, abandonado, odiado, ignorado e desacreditado. Alguém que não tem mais nada a perder no mundo porquê já perdeu o que lhe é mais importante, e por isso, se tornar finalmente, aquilo que não gostaria de ser, e o que é pior, é provável que Clark nunca saiba o quão responsável será por esta mudança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário